domingo, 4 de fevereiro de 2018

O “Temer lá”: de quem é a culpa?

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Michel Temer se transformou em uma espécie de criança feia que ninguém quer embalar. É comum o jogo de empurra-empurra entre os diferentes campos políticos que buscam polarizar a sociedade brasileira sobre de quem é a responsabilidade por ele estar na Presidência da República.

Os antipetistas culpam os eleitores de Dilma, os “mortadelas”, por terem votado na chapa em que Temer era candidato a vice. Os petistas, por sua vez, culpam os “paneleiros”, os “coxinhas” que foram às ruas pedir a saída de Dilma, pela ascensão de Temer.

Seria leviano ficar nessa briga de torcida da base, seja militante, seja meramente eleitoral. Estes, em sua maioria, são mais vítimas do que algozes das táticas de quem realmente articula a política, em suma, os dirigentes.

A aliança com o PMDB, assim como com outros partidos, foi uma tática elaborada pela direção do PT que apresentou-a como única possibilidade de garantir uma governabilidade para administrar o país e realizar mudanças profundas. Os críticos dessa tática eram apresentados como ultraesquerdistas puristas e sectários afobados que não enxergavam a complexidade da realidade.

O tempo foi passando e nenhuma reforma social foi realizada e o que se viu foi o PT aderindo, reproduzindo e aprofundando os métodos corruptos vigentes e dando sequência ao plano econômico e de contra-reformas do seu antecessor e a tal governabilidade terminou no impeachment de Dilma, com votos dos partidos que sustentaram os governos petistas, incluindo o próprio PMDB.

Apesar de tudo nenhuma autocrítica foi feita e o mesmo velho jogo político segue sendo jogado pelo PT que saiu em aliança eleitoral em 2016 com os partidos que votaram pelo impeachment de Dilma, votou nos candidatos desses mesmos partidos para as casas legislativas (incluindo os candidatos de Temer) e já anuncia que se retornar ao Planalto em 2018 será com a mesma tática que já se mostrou fracassada. Tudo isso mostra o nível profundo de adaptação e de compromisso do PT com o regime.

Dito isso, tendo em vista que o objetivo aqui é tentar apurar os responsáveis pelo “Temer lá”, vejamos o que diziam os principais líderes petistas sobre o peemedebista e o seu partido há poucos anos atrás.

Estamos irmanados no projeto de transformação do Brasil, e assim queremos continuar por muito tempo”, disse o presidente nacional do PT, Rui Falcão, em convenção do PMDB em 2013. [1]

Na ocasião Lula enviou uma mensagem que foi lida por Falcão, com as seguintes declarações:

A partir de 2006, constituímos uma sólida coalizão de governo para impulsionar as mudanças econômicas e sociais que o país sempre almejava”. [2]

Juntos, fizemos o país voltar a crescer. Somamos esforços para resgatar a soberania nacional. Preservando a identidade de cada um dos nossos partidos, fomos capazes de construir uma parceria programática e política”. [ibidem]

No meu governo, o PMDB deu uma contribuição fundamental. No governo da presidente Dilma, estreitamos ainda mais as nossas relações, e Michel Temer tem cumprido papel particularmente significativo”. [idem 1]

Lado a lado, com Dilma e Temer, garantiremos conquistas ainda maiores para o Brasil e para o povo brasileiro”. [ibidem]

A então Presidente, Dilma Rousseff, estava presente e fez a seguinte saudação:

É uma honra participar da convenção do partido, que é o maior parceiro do meu governo. O convite do PMDB para estar aqui ofereceu a oportunidade extraordinária para que, juntos, possamos celebrar essa parceria, produtiva e que sem dúvida alguma terá uma longa vida”. [3]

O PMDB me ajuda a governar e, sobretudo, me deu uma de suas maiores contribuições: o vice-presidente Michel Temer, que divide comigo a responsabilidade pela condução do país, e reforça com as suas qualidades de político competente, sério e excepcional negociador a capacidade de articulação do governo”. [ibidem]

Só tenho que agradecer pelo trabalho do Temer, pela sua solidariedade e parceria”. [ibidem]

Michel Temer, agradeceu os elogios e defendeu a continuidade da parceria:

Esta chama incendeia todos os corações do PMDB e tenho dito, com muita frequência: vamos manter essa aliança indestrutível PT-PMDB, com Vossa Excelência conduzindo os destinos do país para o bem e o aplauso do povo brasileiro”. [idem 1]

Henrique Alves, para acabar com as especulações de que o PMDB sairia com Eduardo Campos, deixava claro qual era o compromisso do partido:

Em 2014 vamos colher os frutos do nosso trabalho, da nossa competência, para tornar em 2014 Michel vice-presidente, a presidenta Dilma reeleita e o maior número de governadores”. [idem 1]

Muitas outras citações poderiam ser acrescentadas, como a do encontro do PMDB de 2011, quando Dilma declarou “Viva o povo brasileiro, viva o PMDB, viva o Brasil!” [4] mas não há necessidade de cansar o leitor comprovando o óbvio, uma vez que a aliança do PT com o PMDB não era segredo para ninguém e tampouco os rasgados elogios de lado a lado. Mas fica claro o tamanho da hipocrisia daqueles que, após o impeachment, tentam diminuir o papel de Temer e do PMDB nos governos petistas, como se eles fossem mera decoração supérflua.

Fica evidente que os dirigentes petistas são os grandes responsáveis por levar Temer ao poder ao realizar aliança com o PMDB e colocá-lo como vice de chapa. No Brasil, a eleição majoritária se dá por chapas (cada uma com um presidente e um vice-presidente). O § 1º do Artigo 77 da Constituição Federal é bem claro: “A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado.” [5]

Logo, por mais incômodo que seja para alguns ter que admitir, a acusação dos antipetistas procede: quem votou em Dilma, votou em Temer. É um aviso que a urna eletrônica já dava ao eleitor ao mostrar a foto de ambos. Quem digitou o “13” do PT levou junto o “15” do PMDB. É a regra do jogo. Um jogo que os dirigentes petistas se dispuseram a jogar e que acreditavam já estar craques imunes a ponto de colocar quem bem entendessem de parceiros.

Portanto, o PT é o pai biológico do “Temer lá”. Mas e quanto aos antipetistas? Será que eles não têm nenhuma responsabilidade? Para descobrir tal resposta novamente temos que sair das bases e suas brigas rasteiras de torcidas organizadas.

As jovens lideranças do impeachment, sobretudo o MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem Pra Rua, se apresentavam como “apartidários” inconformados que não toleravam a corrupção, e que por isso primeiro tirariam a Dilma e depois tirariam o resto.

Pois no mesmo ano do impeachment, o MBL lançou 44 candidatos a vereador e 1 a prefeito. Elegeu 7 vereadores, com destaque para Fernando Holiday em São Paulo, e 1 prefeito. PSDB e DEM foram os partidos mais escolhidos para filiação pelos membros do movimento. PP, PSC, Novo, PEN, PHS, PMDB, PPS, PRB, Pros, PSB, PTB, PTN, PV e SD também contaram com filiados do MBL. [6]

O Vem Pra Rua lançou candidatos em 8 capitais. Diferente do MBL o movimento exige que os postulantes a cargos eletivos se desliguem dele, podendo retornar caso não se elejam [7]. Recentemente Rogério Chequer, coordenador do Vem Pra Rua, se desligou do movimento para pré-candidatar-se ao governo do Estado de São Paulo pelo Partido Novo. Apesar de defender que se deve buscar “pensar fora da caixa” e do discurso de “renovação” na política, Chequer defende o ajuste do PSDB paulista, as suas “grandes obras” (que deveriam apenas ser concluídas mais rapidamente) e privatizações. [8]

É legítimo que integrantes de movimentos se filiem em partidos e lancem candidatos, porém, causa estranheza que tal atitude parta de quem se dizia “apartidário” e é curioso que as filiações tenham tido como organizações políticas prioritárias as siglas que integram os mesmos esquemas de corrupção o qual teriam se insurgido. Depois descobriu-se que boa parte desses partidos forneceu aparato para os atos do impeachment [9]. Não foi por acaso que em 13 de março de 2016 os tucanos Geraldo Alckmin e Aécio Neves foram no ato da Avenida Paulista buscar palanque – objetivo frustrado pelos manifestantes de base que não hesitaram em vaiá-los e expulsá-los. [10]

No final de 2016 e início de 2017 MBL e Vem Pra Rua chamaram atos “contra a corrupção” e em “defesa da Lava Jato”, porém, não atacavam um dos grandes desarticuladores da famosa operação da Polícia Federal: Michel Temer. Rogério Chequer, coordenador do Vem Pra Rua, sequer tergiversou sobre o caráter do ato de fevereiro de 2017: “queremos deixar bem claro que este não é um ato ‘fora, Temer’” [11]. No episódio em que Temer criou um ministério para conferir foro privilegiado a Moreira Franco, investigado pela Lava Jato, o MBL lamentou a criação do ministério, não a blindagem de Franco. Posteriormente foram além, repetindo o discurso dos integrantes do governo de que o caso de Moreira Franco era diferente do de Lula. [12]

Em maio de 2017 esses movimentos chegaram a ensaiar a marcação de atos contra Michel Temer após a divulgação dos áudios do empresário Joesley Batista, da JBS, mas recuaram rapidamente. Na ocasião, o Vem Pra Rua alegou motivos de segurança para transferir o ato enquanto que o MBL simplesmente abandonou o pedido de renúncia: “Há motivo de sobra para investigar Temer nos áudios, mas eles são inconclusivos”, justiticou Kim Kataguiri. “Vamos suspender a posição pró-renúncia até que surjam novas informações”, concluiu o coordenador do MBL. [13]

Pedir para o peemedebista renunciar já era uma postura recuada para quem já havia bradado com toda a energia “Fora” para outra pessoa que ocupou o mesmo cargo, mas rompia um pouco com a blindagem descarada que vinha sendo praticada até então. Possivelmente a rapaziada da direita, vendo o furo no barco, achou que ele fosse naufragar e tentou se antecipar para aparentar coerência, no que deve ter sido enquadrada por algum figurão de um dos partidos da Lava Jato que lhes fornece apoio, aparato e nos quais alguns de seus membros estão filiados. Ídolo do MBL, o Prefeito de São Paulo, João Dória, defendeu, na ocasião, o governo Temer e a permanência do PSDB nele. [14]

De lá para cá novos fatos de corrupção envolvendo Michel Temer surgiram, por duas vezes ele utilizou fartos recursos públicos para comprar deputados e barrar investigações, e a rapaziada que ia “tirar o resto” se limitou a postagens tímidas nas redes sociais. Nem o julgamento sobre a cassação da chapa Dilma-Temer, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi capaz de levá-los às ruas – logo eles que vivem dizendo que a culpa do “Temer lá” é dos eleitores de Dilma por terem votado na chapa PT-PMDB.

Ricardo Bordin, em artigo publicado no Instituto Liberal de São Paulo [15], tenta explicar, em cinco tópicos, a postura dos movimentos que lideraram o impeachment diante de Temer. O texto foi escrito após a divulgação dos aúdios de Joesley Batista.

Ele começa abordando a gestão econômica do governo Dilma com a sua consequente perda de apoio popular devido ao “estelionato eleitoral” do “desenvolvimentismo”, quando o estelionato foi exatamente o oposto disso, ou seja, Dilma negou na campanha a política de ajuste fiscal e de retirada de direitos que passou a aprofundar tão logo reeleita. “Não mexo em direitos trabalhistas nem que a vaca tussa”, frase famosa de campanha da petista que se transformou em incoerência quando, após as eleições, ainda em 2014, seu governo anunciou cortes no auxílio-doença e no seguro-desemprego, além de privatização de hospitais universitários.

Michel Temer, a seu turno, antes mesmo de assumir a chefia do Executivo Federal, propôs a adoção de providências visando reverter a tendência de degradação dos indicadores econômicos, por meio de sua conhecida “Ponte para o Futuro”. É como se Temer nunca tivesse sido vice de Dilma. Bordin parece se apropriar do argumento da “figura decorativa” utilizado pelos petistas para isentar o peemedebista de qualquer responsabilidade pela política econômica que levou o país à recessão. Mas ele consegue ir além.

Como resultado das ações deste programa”, diz, “o panorama financeiro que se desenhava no horizonte, após a troca de comando em Brasília, passou a parecer menos feio”. E por fim conclui:

E como sabemos que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso, é natural que a ira dos brasileiros contra o vice de Dilma tenha se tornado menor em comparação com a titular da chapa.”

Temer estaria despiorando o “panorama financeiro”, por isso seria menos impopular do que Dilma, portanto, o povo não estaria disposto a ir às ruas contra ele. Ora, seria mais digno Bordin admitir que é ele e os seus comparsas que não querem ir às ruas contra Temer. Até porque a blindagem e a omissão seguiram mesmo quando Temer superou Dilma em impopularidade. [16]

Nos três tópicos seguintes, Bordin aborda aspectos institucionais. No segundo argumenta que a Lava Jato seguiu a contragosto dos políticos e que atingiu importantes tucanos e até o presidente. Atribui esse fato a “nobre missão de saneamento institucional” da qual estaria imbuído Sérgio Moro e “demais magistrados”. Não analisa as contradições institucionais fruto da profunda crise do regime, esquece de mencionar as inúmeras interferências políticas (incluindo as do próprio Temer) que já livraram alguns políticos, assim como as incoerências dos próprios “saneadores institucionais”. Tais omissões facilitam na conclusão de que, se a Lava Jato segue fazendo o seu trabalho, por que o povo deveria ocupar as ruas?

Os últimos eventos armagedônicos, aliás, ajudam a entender (ao contrário do que se poderia imaginar) ainda melhor porque a Avenida Paulista não está tomada de ponta a ponta nos dias de hoje.”

Existe forte expectativa de que Temer seja apeado do cargo em breve”, é o título previdente do terceiro tópico. Qual a razão de tamanha certeza? “(...), as instituições, no momento presente, estão cumprindo seu papel – melhor do que de costume, como pôde-se observar”. A realidade é tão contundentemente oposta a tamanha previsão e afirmação que a única coisa que cabe aqui são boas, ainda que indesejadas, gargalhadas.

No quarto tópico ele se questiona sobre “à possibilidade de impeachment” de Temer. Reconhece que Rodrigo Maia não deseja abrir tal processo contra Temer mas acredita, novamente previdentemente, que a conjuntura por si só vai derrubar o presidente e reacomodar os cargos institucionais: “De qualquer forma, será que vale a pena mesmo esperar mais seis meses (seguindo o rito estabelecido pelo STF em 2016), com o país em compasso de espera, para somente então convocar eleições indiretas – reduzindo a pouco menos de um ano o mandato do presidente tampão? Há controvérsias.”

Por fim, no quinto, e último tópico, aborda a pressão por pedido de renúncia de Temer. E avaliza a posição do MBL e do Vem Pra Rua. Sobre o recuo do MBL justificado por Kim Kataguiri diz: “Difícil discordar da prudência do rapaz.”

Após cinco tentativas de justificar a postura do MBL e do Vem Pra Rua diante de Temer, conclui reconhecendo que estão a fazer “concessões” à “Esquerda “moderada” no poder (da qual também faz parte o PMDB)” mas que a “Direita (de verdade)” quer é “ver bandidos na cadeia (todos, sem exceção) e que o país possa seguir seu rumo apesar de tudo, nem que seja aos trancos e barrancos”.

Não é o ponto aqui desmontar essa falácia de que o PMDB é de “esquerda moderada”, até porque a própria posição de Bordin, “o direitista de verdade”, de fazer “concessões” a ele depõem contra a sua caracterização. Não é casual que essa “concessão” resulte na blindagem de certos bandidos em vez de ajudar na condenação de “todos, sem exceção”. O certo é que com os planos de ajustes de Temer e as suas contra-reformas apoiadas por Bordin, e que seriam tocadas por Dilma (na verdade foram elaboradas ainda na gestão petista), o país seguirá seu rumo cada vez mais aos trancos e barrancos.

Mais do que “concessões”, Rodrigo Constantino parece maravilhado com o governo Temer. Em artigo intitulado “Os impressionantes avanços em menos de um ano de governo Temer” [17], critica aqueles que difundem por aí que os políticos “são todos iguais”, ainda mais os que se apoiam na corrupção para confirmar essa “tese”.

Embora figure nos mesmos esquemas de corrupção que os outros partidos Constantino não tem dúvidas de que a corrupção do PT, e da esquerda, é pior. A corrupção do PT visaria um projeto de “poder” e por isso “não dá para comparar” com “PMDB, PSDB e DEM”. Vai ver esses partidos investem a propina paga para as campanhas eleitorais em carrocinha de cachorro quente e não nos seus objetivos de chegar e/ou se manter no poder. E certamente o Triplex e o Sítio de Atibaia são os sovietes supremos de Lula.

Essa tentativa de diferenciar a corrupção “totalitária” do PT e a meramente “fisiológica” dos demais partidos surge com frequência em algumas análises da direita brasileira. Não é, portanto, exclusividade do ex-colunista da Veja. E tem servido de justificativa para o apoio, digo, “concessão” a partidos como o PMDB e a políticos como Temer.

Apesar de terem governados juntos por anos e a crise brasileira possuir as digitais (para usar uma expressão cara a Constantino) tanto do PT quanto do PMDB, entre outros, ele não tem dúvidas de que não “são todos iguais”. “Bastou trocar o comando da economia (…) e colocar gente mais séria, que o choque de credibilidade foi automático, as expectativas voltaram a ficar ancoradas, e a inflação cedeu.” Constantino já se esqueceu que Henrique Meirelles foi ministro do governo Lula e que recentemente foi alvo da Operação Greenfield da Polícia Federal?

Constantino celebra as reformas trabalhista e da previdência coisas que “os petistas não fizeram em 14 anos no poder” (Se esqueceu da reforma da previdência de Lula de 2003? E da sindical/trabalhista de 2005 que só não saiu devido ao mensalão?). Talvez ele tenha ficado deslumbrado com a utilização da capa do seu livro na propaganda oficial do governo Temer, fato que ele utiliza para mostrar o quão diferente o peemedebista é do PT: “Na propaganda oficial do governo para as reformas, até a capa do meu livro Privatize Já foi utilizada! O que demonstra que o governo de transição de Michel Temer já representa um “upgrade” e tanto em relação ao PT, convenhamos. O PT usaria meu livro apenas para fazer uma fogueira, com petistas pintados e nus fazendo “uga-uga” em volta e batendo tambores.”

Apesar de ser “perfeitamente legítima a sensação de que “nada presta” na política nacional” é preciso “ter muita calma nessa hora” e ter consciência de que “só o PT tem “bandidos preferidos”. Além do mais, embora “PMDB, PSDB e DEM estejam bem longe da direita liberal, representam uma mentalidade menos ideológica, menos intervencionista” e “estão fazendo coisas certas, importantes, cujos resultados já podemos ver”. Não resta dúvidas: “por mais que Temer e o PMDB/PSDB mereçam inúmeras críticas, não podemos cair na estupidez de repetir a narrativa petista de que “são todos iguais”. Não são, como ficou claro.

A narrativa do “são todos iguais” é uma percepção popular diante dos esquemas de corrupção que envolvem praticamente todos os partidos comprometidos com o regime. Ela não tem sua origem no PT e os próprios petistas se insurgem contra ela. Diferente de Constantino as massas sabem que os vários partidos integram os mesmos esquemas de corrupção.

Por fim, em tom celebrativo, ele conclui com mais uma diferenciação:

O PT é uma bomba atômica lançada contra o Brasil. Os demais são medíocres, em muitos casos corruptos, mas não chegam nem perto desse potencial de destruição. Basta deixar a ideologia e o preconceito de lado para reconhecer: houve avanços impressionantes com Temer no poder, e o “presidento” não completou nem um ano de gestão.”

Posteriormente, Constantino, que disse que “só o PT tem “bandidos preferidos”, atacou duramente os Bolsonaros (Jair e Eduardo) por terem votado a favor da investigação da denúncia contra Temer [19]. Chamou a atenção o fato de muitos dos seguidores dos próprios deputados criticá-los nos mesmos termos de Constantino. [20]

É importante ir além desse voto e observar mais atentamente a postura dos Bolsonaros, que se intitulam autênticos direitistas, diante de Temer e do PMDB.

Em 2 de agosto de 2016, Jair Bolsonaro, em tom de reivindicação do governo Temer, pede ao peemedebista, entre outras coisas que:

Prezado Presidente Michel Temer, sua Secretária Especial de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, no jornal O Globo, há poucos dias, fez o editorial que praticamente só faltou terminar com “Fora, Temer!” Ou seja, Presidente Michel Temer, nós temos que desaparelhar o Governo desses esquerdistas que estão aí, não podemos botar gente dentro do Governo que esteja aliado ao PT. Isso é inadmissível!” [21]

Em março de 2017, Jair Bolsonaro grava vídeo ao lado do filho Flávio, e no estilo caricato que lhe é peculiar, critica a Reforma da Previdência que “vai dar munição para o PT crescer em 2018” e pede para Temer “ser homem” e ter “coragem” de “cortar as indicações políticas” que geram “corrupção” e “ineficiência”, que assim ele “não vai responder por nada que antes de assumir” a Presidência [22]. Não responder por nada de antes? Que contraste para quem se apresenta como o campeão do combate à corrupção!

Quando estourou o escândalo dos áudios de Joesley Batista, que atingiram em cheio Temer e Aécio (candidato de Bolsonaro no segundo turno de 2014 [23] e figura da qual anunciou desejar querer ser vice [24]), Bolsonaro gravou um vídeo em seu gabinete que começa com inserções do jornal Bom Dia Brasil da Rede Globo abordando o fato e logo a seguir ele faz uma fala de pouco mais de 2 minutos desancando o PT, sem mencionar uma única vez o nome do tucano e do peemedebista. [25]

No início de 2017, o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ), que já havia sido delatado à Lava Jato [26], foi reeleito para presidir a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, com voto favorável de Flávio Bolsonaro. Como informa o jornal Extra: “Somente os cinco deputados do PSOL (Eliomar Coelho, Flavio Serafini, Marcelo Freixo, Paulo Ramos e Wanderson Nogueira) e o Dr. Julianelli (Rede) votaram contra a recondução do parlamentar ao cargo”. [27]

E por falar em voto, o tom do discurso dos Bolsonaros, quando votaram a favor da denúncia contra Michel Temer, foi bem diferente de quando votaram pelo impeachment de Dilma:

Senhor Presidente [da Câmara]: o problema do Brasil não é a troca de Presidente [da República], é a corrupção. Pela abertura das investigações, meu voto é ‘não’”. (Eduardo Bolsonaro)

Para ser uma grande nação o Brasil precisa de um presidente honesto, cristão e patriota. Meu voto é ‘não’”. (Jair Bolsonaro) [28]

A postura dos Bolsonaros diante de Temer e do PMDB, vacilante até mesmo no momento do voto contrário, parece confirmar a acusação de sobrevivência eleitoral feita por Constantino. Na ocasião, o peemedebista afundava cada vez mais nos índices de impopularidade e a maioria da população desejava que as investigações prosseguissem. [29]

O deputado estadual gaúcho, Marcel van Hattem (PP-RS), um dos fundadores do MBL [30], ficou famoso nacionalmente por ter posado como “papagaio de pirata” de Temer na sua posse. Em entrevista ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre defendeu que Temer não deveria sofrer impeachment, ainda que tenha integrado a chapa de Dilma e mesmo emitindo decretos de pedaladas fiscais: “A doutora Janaina Paschoal já explicou bem isso, ele não teve responsabilidade direta. Ele substituiu provisoriamente a presidente Dilma algumas vezes”, justificou. [31]

Com a divulgação da gravação de Joesley Batista, Van Hattem se disse envergonhado da imagem da posse, assim como por ter votado em Aécio Neves: “Dilma, Lula, Temer, Aécio… Fora Todos!”, foi a sua postagem no Facebook. “Não tenho bandido de estimação”, respondeu a um seguidor na rede social [32]. A consequência dessas palavras foi conferida dois meses depois quando o deputado acionou o Ministério Público para retirar faixas afixadas em escolas estaduais que pediam “Fora Temer”. [33]

É importante lembrar que as acusações contra Temer não começaram após a sua posse. Ele já havia sido delatado à Lava Jato e foi citado 21 vezes na Castelo de Areia – operação deflagrada em 2009 pela Polícia Federal e que chegou a pegar o período em que ele era deputado federal (1996-1998). [34]

Seja pela linha altamente questionável do “menos pior”, seja pelo apoio às medidas de ajustes e às contra-reformas (que são as mesmas de Dilma [35]), seja por outro motivo qualquer, ginásticas retóricas à parte, os fatos comprovam que objetivamente a direita majoritária no Brasil defende Michel Temer. Até mesmo Olavo de Carvalho, que critica duramente os movimentos do impeachment por terem ficado apenas na Dilma, teve momentos de mais tolerância com o peemedebista:

Não sou contra o Michel Temer, mas uma coisa é certa: ninguém no Brasil deve nada a ele; ao contrário, ele é que deve o seu cargo atual à benevolência (excessiva, a meu ver) do movimento antipetista, que aceitou um arranjo meia-bomba em vez de cassar logo o mandato dos dois vencedores de uma eleição fraudulenta. Se ele quer desempenhar um papel honroso, que desça do pedestal e comece a obedecer a Janaina Paschoal, a Joice Hasselmann, a Beatriz Kicis, a Carla Zambelli e outros benfeitores (alguns involuntários) da sua carreira.” [36].

Assim, se o PT foi o pai biológico do “Temer lá” a direita é o seu padrasto – e tem sido um provedor muito responsável, dócil e generoso. A acusação dos petistas, portanto, também procede.

Só não embalou esta criança quem teve uma postura de independência política, quem defendeu voto nulo ou branco em 2014. A propaganda tucana do “A culpa não é minha, eu votei no Aécio” ficou completamente desmoralizada não só com as acusações contra o senador mineiro como principalmente pelo fato do PSDB ter aderido ao governo Temer -- o que não é nenhuma surpresa já que o peemedebista e o seu partido foram aliados do governo Fernando Henrique Cardoso e ajudaram a abafar escândalos, como o da compra de votos para a reeleição.

Finalizamos esclarecendo mais uma vez que tratamos aqui no nível de direção política e na difusão intelectual, que as bases, ainda que levadas a aderir a um dos caminhos da falsa polarização, são vítimas e não algozes. O jogo de empurra do “Temer lá” é um dos símbolos mais emblemáticos da falsa polarização política na qual tentam afundar o nível de consciência da sociedade brasileira. Desmascará-la é fundamental.



Leia também:

Brasil: cai a máscara da falsa polarização. 19/02/2017.

Um acordão para “salvar todo mundo” menos os direitos do povo! 05/07/2017.


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[1] Aliança entre PT e PMDB terá “longa vida”, diz Dilma. 02/03/2013.

[2] Lula elogia Temer e destaca coalizão PT-PMDB. 02/03/2013.

[3] Dilma diz que aliança com PMDB terá 'vida longa'. 02/03/2013.

[4] Viva o PMDB! 23/09/2011.

[5] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

[6] MBL elegeu oito de seus 45 candidatos. 03/10/2016.

[7] Das ruas para as urnas: os líderes de protestos que migraram para a política neste ano. 27/09/2016.

[8] Pré-candidato a governador, Rogerio Chequer diz que falta renovação política em SP. 16/12/2017.

[9] Áudios mostram que partidos financiaram MBL em atos pró-impeachment. 27/05/2016.

[10] Alckmin e Aécio são hostilizados na chegada à manifestação na Paulista. 13/03/2016.

[11] MBL e Vem Pra Rua convocam manifestações a favor da Lava Jato. 14/02/2017.

[12] Em maio de 2016 a então presidente Dilma Rousseff nomeou Lula Ministro da Casa Civil o que ia lhe conferir foro privilegiado.

[13] MBL recua em pedido de renúncia e Vem Pra Rua adia ato contra Temer. 19/05/2017.

[14] Doria defende permanência do PSDB no governo Temer. 27/06/2017.

[15] Por que MBL e similares não estão nas ruas exigindo a saída de Temer? Ricardo Bordin. ILISP, 02/06/2017.

[16] A popularidade de Dilma no impeachment e a de Temer na denúncia criminal. 28/07/2017.

[17] Os impressionantes avanços em menos de um ano de governo Temer. 12/05/2017.

[18] Deputado estadual gaúcho chama atenção ao aparecer ao lado de Temer em seu primeiro discurso. 12/05/2016.

[19] Bolsonaro vota de acordo com campanha petista e global pela saída de Temer, e é detonado por editor de direita. Blog do Rodrigo Constatino, 02/08/2017.

[20] Eleitores de Bolsonaro se revoltam com voto do deputado na denúncia contra Temer. 03/08/2017.

[21] Jair Bolsonaro. Discurso na Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados, nº 131, p.45, 03/08/2016.

Jair Bolsonaro Manda Recado Para Michel Temer. 03/08/2016.

[22] BOLSONARO DETONA TEMER E DIZ PRA ELE TOMAR VERGONHA NA CARA E VIRAR HOMEM. 24/03/2017.

[23] Bolsonaro pediu que Deus ajudasse o Brasil a votar em Aécio para Presidente. 19/05/2017.

[24] "Se eu não for candidato, quero ser vice de Aécio", diz Jair Bolsonaro. 22/05/2014.

[25] Bolsonaro comenta o fim do Temer e afirma que o pior está por vir!!! 18/05/2017.

[26] Delator diz que Picciani pediu propina em três campanhas eleitorais. 05/11/2016.

[27] Jorge Picciani é reeleito presidente da Assembleia Legislativa do Rio. 01/02/2017.

[28] Veja como votou Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro na denúncia contra Michel Temer l 02/08/2017.

[29] Datafolha aponta que 54% querem Lula preso e 89% avaliam que Câmara deve autorizar denúncia contra Temer. 02/10/2017.

[30] Marcel Van Hattem, um dos fundadores do MBL e fabuloso deputado estadual no Rio Grande do Sul fazendo história em apenas um mês de mandato! Facebook do MBL, 04/03/2015.

[31] "Estou com o WhatsApp bombando", diz deputado gaúcho que acompanhou discurso de Temer de perto. 12/05/2016.

[32] Político que saiu em foto com Temer se diz envergonhado. 18/05/2017.

[33] Deputado quer explicações sobre faixa com “Fora Temer” em escola. 18/07/2017.

[34] Quais são as suspeitas e ameaças que pairam sobre Temer. 10/05/2016.

[35] Esta afirmação por vezes gera polêmica. Por isso algumas lembranças são necessárias:

- A PEC dos gastos de Temer tem a sua origem no “Novo Regime Fiscal” do governo Dilma, tanto que o governo do PT no Piauí aprovou uma versão estadual da PEC de Temer com o nome “dilmista”.
- O teor do plano de acordo da dívida com os Estados de Temer, que é uma verdadeira chantagem, é o mesmo do PLP 257/16 de Dilma.
- A contra-reforma do Ensino Médio de Temer tem a sua base na proposta do governo Dilma.
- Dilma já havia se comprometido com uma nova contra-reforma na previdência e atacado direitos trabalhistas.
- Tanto Dilma quanto Temer vetaram proposta de auditar a dívida pública brasileira.
- A entrega do restante do pré-sal já havia sido apoiada por Dilma em votação no Senado Federal em 25/02/2016.
- Em 2003 o governo Lula aprovou uma contra-reforma da previdência que aumentou a idade mínima, introduziu a taxação dos aposentados, acabou com a aposentadoria integral, criou um fundo complementar que privatizou parte da previdência, acabou com a paridade nos reajustes dos servidores da ativa com os aposentados e reduziu as pensões aos dependentes.
- Em 2005 o governo Lula elaborou, junto com as centrais sindicais e os empresários, uma reforma sindical/trabalhista que tinha como central o acordado sobre o legislado. Tal projeto só não foi apreciado pelo Congresso Nacional devido ao estouro do escândalo do mensalão que modificou os trabalhos do parlamento.
- Desde o primeiro governo Lula as administrações petistas realizaram privatizações.

Ver mais detalhes em:
Lula: ruptura ou continuidade de FHC? Jorge Nogueira, 27/11/2010.

[36] Olavo de Carvalho. Facebook, 31/10/2016.




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