terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Sobre fatos e provas contra Lula

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Reproduzo a seguir um trecho longo e importante de um artigo da organização política Transição Socialista. Em que pese divergências com algumas conclusões do referido artigo em trechos que não estão aqui expostos é de grande mérito retomar os fatos e as provas nas quais se embasa uma possível condenação de Lula, ainda mais em um momento em que novamente o lulopetismo exerce pressão sobre a esquerda brasileira e a maior parte dela vacila.



Transição Socialista

17.07.2017

Tão logo saiu a condenação de Lula por Moro na Lava-Jato no último dia 12, o PT lançou uma nota oficial, afirmando que não havia provas suficientes para a condenação, que se tratava de um ataque às liberdades democráticas e de perseguição política a um grande e popular “líder”. Logo em seguida, praticamente toda a esquerda brasileira (do PSOL ao PCB, passando por diversas correntes) produziu notas contra a condenação de Lula, defendendo em linhas gerais os mesmos argumentos da nota do PT (todavia, fazendo críticas à política de “conciliação de classe” de Lula).

Rapidamente, criou-se um senso comum da “esquerda” em torno da nota do PT e da linha de defesa dos advogados de Lula. O quão esse senso comum é frágil, evidencia-se pelo fato de que grande parte dessa “esquerda” nem se deu ao trabalho de ler a peça condenatória de Moro. Algumas notas, inclusive, atacam o juiz de Curitiba valendo-se de argumentos que o próprio juiz expressamente descartou em seu texto (como o “power-point” dos procuradores da Lava-Jato).

Além do senso-comum da chamada “esquerda”, cabe analisar os documentos. Diferentemente do que falam os advogados de Lula, a condenação não se baseou apenas na delação de Léo Pinheiro, mas em fartas provas.

Aos fatos e às provas

Marisa Letícia, falecida ex-primeira dama, assinou no dia 12 de abril de 2005 um documento chamado “Proposta de adesão sujeita à aprovação”. Trata-se de uma proposta para entrada na sociedade de construção do prédio do Guarujá pela Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários, então presidida por João Vaccari Neto, depois tesoureiro do PT). O termo estava inicialmente preenchido como referente ao apartamento 174 (o triplex), mas foi rasurado, colocando-se acima deste o número 141. Este termo era uma cópia carbono do documento original depois encontrado na sede da Bancoop. O original estava igualmente rasurado (a rasura fora produzida quando o original e a cópia carbono estavam vinculados). Também na casa de Lula e Marisa foram encontrados outros documentos: um do dia primeiro de abril de 2005, assinado, de compra do apartamento 141, e outro do mesmo dia, de compra do apartamento 174, não assinado.

Todos esses documentos, por si só, destroem o argumento de Lula e seus advogados (conforme expresso pelo ex-Presidente em audiência diante de Moro), de que nunca houve intenção de compra do triplex, e de que possuíam apenas uma cota-parte indeterminada do empreendimento, sem qualquer referência a um dos apartamentos específicos. Todavia, aqui, apesar da grande incongruência, ainda não há prova da ocultação de patrimônio.

Deve-se agora levar em consideração o processo de transferência do empreendimento da Bancoop para a OAS em 2009 (ano em que a primeira entrou em graves problemas financeiros). De acordo com o documento de transferência dos direitos e obrigações da Bancoop para a OAS (documento de 08/10/2009, aprovado depois por todos os cooperados em assembleia, sem nenhum voto contrário), os cooperados teriam apenas duas opções:

1) demitir-se dos quadros de associados em até 10 dias e requerer a restituição do dinheiro já investido junto à Bancoop; ou

2) assinar um contrato de compra do imóvel com a OAS em até 30 dias, dando prosseguimento ao pagamento dos carnês de financiamento.

Lula e Marisa foram os únicos associados que, a rigor, não fizeram nem uma coisa nem outra e não foram cobrados por nada. Marisa simplesmente deixou de pagar os carnês de compra do imóvel nesse período de transferência da Bancoop para a OAS, ficando em situação irregular diante do acordo legal de todos os cooperados. Curiosamente, há uma carta da Bancoop à OAS de 15/02/2011 que trata justamente dos poucos cooperados que não regularizaram sua situação, e entre eles não constam nem Marisa Letícia nem Lula. Seis meses depois dessa carta, em petição oficial apresentada pela OAS ao Ministério Público em 29/08/2011, tratando do conjunto da massa falida da Bancoop adquirida pela OAS, esta afirma que, no que tange ao residencial de Guarujá, todos os 112 apartamentos foram vendidos, ou seja, não havia desistência.

Entretanto, não há qualquer documento de compra do imóvel 141 por parte de Marisa e Lula junto à OAS. Já a quebra do sigilo fiscal do ex-presidente Lula, no início de 2016, revelou que o imóvel 141 foi declarado em seu imposto de renda até 2015 (referente ao ano-calendário de 2014).

Apesar da petição da OAS junto ao Ministério Público em 2011 e apesar do imposto de renda de Lula, a defesa tentou argumentar algumas vezes que o casal havia desistido do imóvel anteriormente. Todavia, seus argumentos são muito contraditórios. Há dois documentos de desistência do imóvel, assinados por Marisa Letícia, apreendidos na sede da Bancoop, que supõe-se falsos. Um é de 2009 (estranhamente sem a data mais determinada) e o outro é de 2/12/2013 (ou seja, de quatro anos após o prazo legal de desistência, acordado na assembleia dos cooperados). Apesar desses documentos assinados de 2009 e 2013 (que contrariam a própria declaração de imposto de renda de Lula), a defesa deste afirmou em juízo que a desistência fora feita apenas em 2014. Já Marisa Letícia, em ação civil contra a OAS em 2016, afirmou que o pedido de desistência fora assinado apenas em novembro de 2015! Note-se que, apesar de tantos supostos pedidos de desistência acordados com a Bancoop, nenhum valor jamais foi restituído e o imóvel, como falamos, constava no IR de Lula. Somente no IR de 2016 (após o início das investigações) o imóvel não constou mais, especificando-se, inclusive, que não constava por conta do acordo de desistência.

No finalzinho de 2013, o prédio terminou de ser construído. Logo no começo de 2014, Lula e Marisa Letícia, acompanhados de gerente da OAS, foram ao imóvel 174 (agora renomeado como 164-A), o triplex. Menos de um mês depois, o imóvel entrou num grande processo de reforma personalizada. Note-se que o apartamento 141 (agora renomeado como 131) foi vendido diretamente pela OAS em 2014 a um terceiro (apesar de aparecer no IR de Lula como propriedade sua, e não da OAS). Note-se que o imóvel 164-A (o triplex) jamais foi colocado à venda, estando documentado como “reservado” em documentos de 2011 apreendidos na Bancoop.

Já começa a ficar claro aqui que o imóvel 141 (depois 131), declarado como de cerca de 200 mil reais, seria para ocultar o processo de aquisição do imóvel 174 (depois 164-A), o triplex. A intenção de ocultamento estava dada desde o início, desde 2005, quando o empreendimento era apenas da Bancoop. Não se deve esquecer que a Bancoop (Cooperativa dos Bancários) era presidida por João Vaccari Neto, bancário e sindicalista ligado a Lula. Vaccari, como se sabe, será em seguida tesoureiro do PT e peça-chave em praticamente todos os escândalos de corrupção desse partido. Quando à frente da Bancoop, Vaccari usou essa cooperativa dos bancários para desviar fundos para o PT. Os apartamentos 141 e 174 não são os únicos investigados nesse prédio por terem feito parte do esquema de Vaccari, mas também os outros três triplex desse prédio e mais três apartamentos menores, possivelmente vinculados diretamente a Vaccari, a seus familiares e a demais dirigentes petistas. Quando a Bancoop faliu, o esquema corrupto de Vaccari com o PT envolvendo o apartamento triplex foi transferido para o esquema corrupto da OAS com o PT, envolvendo a propina multimilionária do partido com as refinarias de Abreu e Lima e Getúlio Vargas. O dinheiro do apartamento foi abatido da conta de propina multimilionária que o PT tinha com a OAS.

Retornemos às reformas no triplex, que comprovam ainda mais a acusação do Ministério Público. São fartos os documentos que comprovam que a OAS contratou empresas para fazer reforma personalizada (serviço que, diga-se de passagem, a empreiteira nunca realizava). As reformas eram bastante grandes e caras, no valor de mais de um milhão de reais. Nos muitos documentos de mensagem de celular ou de e-mails apreendidos, refere-se sempre à “Madame” (ou “Dama”) e ao “Chefe”. A empresa Kitchens, contratada para a reforma da cozinha do triplex, foi contratada no mesmo período para a reforma da cozinha do sítio de Atibaia — para o qual, diga-se de passagem, há provas ainda mais robustas de ocultamento de propriedade pelo casal Lula e Marisa (todavia, o caso de Atibaia ainda não foi julgado por Moro). Os executivos da OAS tratam, em suas conversas, das cozinhas do Guarujá e de Atibaia ao mesmo tempo, como um só e mesmo assunto.

Além disso, em um momento fica claro que “Madame” é Marisa Letícia. É quando Fábio Gordilho, arquiteto e executivo da OAS, manda mensagem de celular a Léo Pinheiro, em fevereiro de 2014, afirmando que “o projeto da cozinha do chefe tá pronto, se marcar com a Madame pode ser a hora que quiser”. A isso, pouco depois, Léo Pinheiro responde: “O Fábio ligou desmarcando”. Isso foi na época da visita de Lula e Marisa ao triplex. Além disso, mensagem de Marcos Ramalho, executivo da OAS, a Léo Pinheiro, em 21/08/2014, afirma: “Dr. Leo. Alterado para 10:30. Falei com Cláudia e agora falei com Fábio (filho)”. Ora, quem poderia ser esse Fábio, especificado diretamente como “filho” da “Madame”, tratado tanto em fevereiro de 2014 quanto em agosto, senão Fábio Luis Lula da Silva?

Além disso, há reportagem do jornal O Globo de março de 2010, assinada pela jornalista Tatiana Farah, intitulada “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado”. Essa reportagem é anterior a qualquer investigação e trata apenas das pessoas prejudicadas pela falência da Bancoop (entre elas o próprio Lula, então presidente). Curiosamente, consta no texto o seguinte: “Procurada, a Presidência confirmou que Lula continua proprietário do imóvel” (triplex). A presidência da república jamais desmentiu essa reportagem.

Como se vê até aqui, a peça acusatória e a sentença são amplamente baseadas em provas documentais, e não apenas na delação de Leo Pinheiro. Curiosamente, todos os depoimentos de Lula criaram contradições com os documentos apreendidos, ao passo que todos os depoimentos dos executivos da OAS (Léo Pinheiro incluso) confirmaram todos os documentos apreendidos.

O único depoimento realmente arrebatador

Ainda que não interesse dar destaque a depoimentos (e sim às provas documentais), deve-se chamar a atenção para um depoimento específico, por seu alto grau de significação política. É o depoimento do zelador do prédio do Guarujá. José Afonso, homem bastante simples, antigo eleitor de Lula e apoiador do PT, disse que esteve com Marisa Letícia na apresentação do prédio, depois de pronto, e na apresentação do próprio apartamento; disse que ela era tratada sempre como proprietária do imóvel (e não como potencial adquirente); disse que todos no condomínio sabiam que o apartamento era de Lula e que, inclusive, os corretores usavam isso na propaganda, para atrair compradores para o empreendimento; disse também que foi repreendido energicamente (quase ameaçado) por executivos da OAS, após iniciadas as investigações em 2015, para nunca falar que o triplex era de Lula, mas apenas da OAS.

José Afonso, por ter dado depoimento confirmando tudo o que viu e vivenciou, pagou alto preço: perdeu seu emprego e sua moradia, caindo em situação de quase indigência. Prestando depoimento em Curitiba, o zelador José Afonso, quando contrariado por Cristiano Zanin Martins (advogado de Lula), perdeu o equilíbrio e se exaltou. Em tom de quase choro e desespero, disse que “fui envolvido numa situação que não tenho culpa nenhuma”. Em seguida, ainda mais exaltado, falou para o advogado de Lula:

“Eu perdi meu emprego, perdi a minha moradia, e aí você vem querer me acusar, falar alguma coisa contra mim? Como é que você sustentaria a sua família? Você nunca passou por isso! Quem é você para falar alguma coisa contra mim? Vocês são um bando de lixo! Isso que vocês são! O que vocês estão fazendo, fizeram com nosso país, isso é coisa de lixo! E vocês defendendo esse lixo!”

O drama do humilde José Afonso, desesperado diante da pressão dos almofadinhas da defesa de Lula, é o símbolo máximo não apenas de todo esse processo, mas de tudo o que significa historicamente o PT e a pequena-burguesia que hoje “defende esse lixo”. Lembremos apenas que não é a primeira vez que algo assim acontece: trata-se da reedição, maior e mais grave, do caso do caseiro Francenildo, de Brasília, que denunciou pagamentos de propina na mansão do petista Antonio Palocci, em meio a festas com prostitutas. O caseiro teve o sigilo bancário quebrado ilegalmente, graças à influência do PT dentro da presidência da Caixa Econômica Federal. Nem uma prova sequer, ou indício, puderam ser levantados contra Francenildo, que teve a vida devassada. Todas as suas denúncias, pelo contrário, comprovaram-se. Quantos não são os José Afonsos e Francenildos traídos pelo PT?



O artigo na íntegra:

Que Lula mofe na prisão



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