sábado, 15 de fevereiro de 2014

As revelações de um editorial

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"A verdade é dura: a Rede Globo apoiou a ditadura!"
(Refrão cantado seguidamente pelos manifestantes nas ruas)


As lutas populares têm se intensificado no país, de forma cada vez mais frequente e, por vezes, espontânea. 2014 está apenas no seu segundo mês e diversas greves se espalham pelo país (com destaque para a dos rodoviários de Porto Alegre), além de protestos contra o aumento das passagens de ônibus e questionando a Copa do Mundo assim como de comunidades que se rebelam por falta de água, luz e assassinato de seus jovens pela polícia. 

Nesse contexto, a trágica e triste morte do cinegrafista da Bandeirantes, Santiago Andrade, tem sido explorada de forma sórdida pelas classes dominantes, e pelos políticos a seu serviço, com a clara intenção de acabar com os protestos populares - fruto das consequências dos seus próprios desmandos - e perseguir a oposição política mais organizada. O Editorial de O Globo, de 12 de fevereiro, não deixa a mínima dúvida quanto a isso. 

Com o título “Os inimigos da democracia” [1] a publicação da empresa midiática que apoiou e justificou a ditadura militar com editoriais similares [2], e que teve de fazer mea culpa por essa posição recentemente [3], mostra que não se satisfaz apenas com a apuração da morte do cinegrafista mas que busca uma verdadeira caçada política e ideológica, cujo filtro não poupa nem as universidades: 

“A morte de Santiago Andrade tem de servir, ao menos, para uma intensa e profunda reflexão sobre distorções escondidas nos subterrâneos de militâncias expostas em perfis falsos nas redes sociais que difamam pela internet, em sindicatos de jornalistas aparelhados e desconectados da profissão, em universidades transformadas em centro de doutrinação política, em funções desvirtuadas em assessorias de partidos políticos — para citar os pontos de intoxicação ideológica autoritária mais visíveis.”

O grupo que já praticou manipulação de imagens para incriminar manifestantes acusa-os agora do seu delito [4]. E, em que pese o fato de muitos juristas apontar que a legislação brasileira já dispõe de leis que dão conta de casos como o da morte do cinegrafista [5], o Globo não vacila em abraçar a autoritária proposta de Beltrame: 

“O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, propõe alterações na legislação para melhor tipificar e, portanto, punir, manifestantes delinquentes. Boa sugestão. (...)”

O Globo vê a morte de Santiago como uma “oportunidade” para perseguir e caçar os setores da esquerda que participam e apóiam os protestos e se mostra incomodada com aqueles que questionam a forma de funcionamento de veículos de mídia como o seu: 

“(...) Não se pode perder esta oportunidade, até mesmo em homenagem a ele. Entender e expor o que se passa é a única maneira de se começar a agir para prevenir outras tragédias. O crime jogou luz sobre a inaceitável atuação do gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) em defesa de vândalos. Ele e partido precisam explicar a função dupla de Thiago de Souza Melo, assessor do deputado, pago, portanto, pelo contribuinte, e, ao mesmo tempo, advogado de black-bloc e similares. Não pode, também, deixar de responsabilizar a campanha, sistemática, via internet, contra os veículos da imprensa profissional, chamados pejorativamente de "mídia corporativa", quando é a publicidade privada que garante a independência de fato deles, ao contrário de sites, blogs e publicações bancados por verba pública.

(...) 

Também são de praxe as declarações de pesar feitas por políticos, inclusive Freixo, já encontrado no passado em atos típicos de quem deseja mais "acirrar contradições" do que trabalhar pelo apaziguamento em conflitos sociais e políticos.”

Quanta coerência tem para falar de recebimento de verbas públicas o grupo que mais as recebe! [6] Mas as contradições não cessam aí. A luz dos dados divulgados pelos próprios representantes dos jornalistas, que mostram que a maior parte das agressões sofridas pelos mesmos partiram da polícia [7], O Globo não tem dúvida de quem são os seus algozes: 

“Criou-se um ambiente tal de hostilidade que repórteres viraram alvo de marginais travestidos de manifestantes, até chegarmos ao assassinato de Santiago. É óbvio que a punição tem de ser exemplar, para sinalizar os limites que têm de existir num país democrático em qualquer manifestação popular.”

E, por fim, termina defendendo a caçada daqueles que não se dobram ao status quo o qual O Globo faz parte e se beneficia: 

“Agora, é preciso ir muito além do declaratório. Tem-se de repudiar estes grupos e agir para que eles, garantidos todos os direitos estabelecidos em lei, sejam de fato contidos e punidos. Partidos, organizações sociais, sindicatos têm de, às claras, mostrar de que lado estão: da violência justificada pelos fins ou a favor do estado de direito democrático, no seu sentido mais amplo.”

A crise institucional e de credibilidade que assola o país também atinge a grande mídia até porque a internet fura o seu bloqueio, desmentindo suas matérias e mostrando o que ela esconde. 

Porta voz dos interesses das classes dominantes, da qual ela própria é parte, a grande mídia se sente incomodada com uma conjuntura em que o povo cria cada vez mais consciência e que luta por seus direitos e contra os descalabros do andar de cima. 

Sendo assim O Globo vê na morte de Santiago uma “oportunidade” para conter a elevação desse nível de consciência e acabar com as lutas populares através do recrudescimento autoritário do regime, o que não seria novidade para a empresa dos Marinho. 

Parece que os manifestantes terão que atualizar um certo refrão cantado nas ruas: “A verdade é dura: a Rede Globo quer outra ditadura!

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[1] Os inimigos da democracia. (12/02/2014):

[2] Ressurge a democracia. Editorial de O Globo de 2 de abril de 1964. Publicado no Conversa Afiada de 31/03/2011.

[3] Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro. O Globo, 31/08/2013.

[4] Apenas para citar um exemplo, em 30 de junho de 2013, na final da Copa das Confederações, a Rede Globo manipulou imagens e informações dos protestos ocorridos no Rio de Janeiro. Foram desmentidos pelas mídias sociais.

[5] “Segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leonardo Vizeu, o país não precisa criar uma lei reunindo as demais, mas aplicar as existentes. “Já temos o crime de dano, de formação de quadrilha, de lesão corporal e apologia ao crime. Não precisamos de uma lei de forma casuística”, disse. Ele avalia que a proposta se aproveita da comoção em torno da morte do cinegrafista Santiago Andrade, durante protesto no Rio.” (Juristas condenam projeto de lei antiterrorismo. Brasil 247, 12/02/2014)

[6] Globo concentra verba publicitária federal (13/09/2012):

[7] “Um levantamento realizado pela Associação Brasileia de Jornalismo Investigativo (Abraji), mostrou que 75,5% das agressões contra jornalistas em eventos como manifestações e protestos, no Brasil, são de responsabilidade de agentes da Força Nacional e policiais.” (Policiais são responsáveis por mais de 75% das agressões a jornalistas, diz Abraji. Correio da Bahia, 12/02/2014)

Abraji diz que maioria de agressões no país contra jornalistas desde junho foi intencional” (14/02/2014):

No mesmo dia em que o cinegrafista da Bandeirantes foi atingido, um repórter alemão, da Deutsche Welle, que cobria o protesto, foi agredido pela polícia, o que gerou indignação do veículo e carta na Embaixada do Brasil em Berlim:

O jornalista alemão Philipp Barth cobria o protesto contra o aumento do preço da passagem de ônibus no Rio. A manifestação, que no início era pacífica, transformou a região da Central do Brasil num palco de violência. O correspondente da DW recebeu golpes de cassetete na barriga e nas costas de um policial. Alguns dos golpes atingiram também sua câmera, que ficou danificada.” (Deutsche Welle protesta por agressão policial a correspondente no Rio. Deutsche Welle, 12/02/2014)




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