segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O Governo Mujica para além do discurso

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Por Diego Vitello - Coordenação da CST-PSOL
 


Recentemente, em discurso na ONU, o presidente uruguaio José “Pepe” Mujica chamou a atenção do mundo. Dentre os presidentes da América Latina, desde Mujica até o presidente chileno, mega-empresário reconhecidamente conservador, Sebastián Piñera, todos fizeram algum tipo de crítica. Seja ao consumismo, a falta de democracia na ONU, a espionagem que Obama promove em todo mundo, etc. Mujica se destacou no seu discurso. Enquanto isso, diversos lutadores no Brasil e na América Latina, expressaram simpatia pelo presidente uruguaio. Ganhou inclusive certo apelo nas redes sociais o dizer “Mujica, venha me governar”.

O atual presidente uruguaio, ex-guerrilheiro tupamaro, é o segundo da coalização de centro-esquerda chamada Frente Ampla, que governa o país desde 2005. O objetivo deste texto é exatamente discutir se o modelo que Mujica e seu governo da Frente Ampla implementam no Uruguai, é ou não um modelo a ser defendido pela classe trabalhadora e a juventude que se mobiliza em todo continente. Além obviamente de discutir o porquê de tantas mobilizações da classe trabalhadora ocorrerem neste país, que somente neste ano de 2013 já promoveu três greves gerais.


A prática anti-sindical do governo Mujica

Como lutadores classistas, acreditamos que um dos pontos importantíssimos a serem analisados para que possamos ter uma opinião sobre a política de determinado governo é sua relação com as greves e mobilizações da classe trabalhadora.

Antes de colocarmos algumas lutas que foram promovidas nestes pouco mais de três anos de governo, é preciso ressaltar um dado. No Uruguai, a situação dos trabalhadores não está nada fácil. 500 mil trabalhadores ganham 500 dólares por mês ou menos. O IRPF (Imposto de Renda sobre Pessoa Física) tem uma fatia de 22,8% nas “receitas do capital e da riqueza”, enquanto 67,2% correspondem “ao consumo e a renda do trabalho”. Ou seja, não há dúvidas que o pesado dos impostos no Uruguai recai sobre a classe trabalhadora.

O governo de “Pepe”, desde seu primeiro ano(2010), vem enfrentando diversas lutas da classe trabalhadora uruguaia. Durante o primeiro ano do governo Mujica, a classe trabalhadora organizou cinco paralisações gerais, de 24h ou menos. As reivindicações eram aumentos salariais e maiores investimentos nas áreas de saúde, educação e moradia. As categorias que se mobilizaram centralmente foram: servidores públicos, coletores de lixo, operários metalúrgicos e dos frigoríficos, médicos e controladores aéreos. Frente a indignação da classe trabalhadora o presidente declarou: “A onda de conflitos sindicais, afeta o trabalho, o clima de investimentos e a imagem de um país sério que tem o Uruguai” . Esta breve declaração de Mujica demonstra claramente que as lutas dos trabalhadores são tratadas como em diversos governos burgueses, onde os presidentes se preocupam centralmente é com os “investimentos” ou seja, com o lucro dos empresários, enquanto as demandas da nossa classe são deixadas de lado.

Ainda neste mesmo ano, os coletores de lixo fizeram uma forte greve por reivindicações salariais. Na tentativa de quebrar a greve e diminuir o poder de pressão dos trabalhadores, Mujica chamou as Forças Armadas para garantirem a coleta do lixo. Após isso, promoveu uma medida judicial declarando obrigando cerca da metade dos grevistas a voltarem ao trabalho alegando a “essencialidade” do serviço.

Mas não há dúvidas, que o setor da classe trabalhadora que mais tem enfrentado com suas mobilizações o governo da FA, são os educadores. Foram dezenas de greves desde o início do governo. Os baixíssimos salários impostos pelo governo a categoria explicam tamanha indignação. Em média, no Uruguai, um professor recebe $12.000 pesos(equivalente a R$1.245,00). Além disso a própria precarização das escolas é questionada pelas entidades sindicais vinculadas aos docentes. Quando se fala dos investimentos na educação, o ponto mais questionado pelos trabalhadores é o das isenções fiscais. Segundo os trabalhadores, diminuindo as isenções que Mujica dá, era possível avançar no salário e também na construção de novas escolas. Dados da central operária Plenario Intersindical de Trabajadores-Convención Nacional de Trabajadores(PIT-CNT), mostram que as isenções fiscais que Mujica dá ao empresariado estão na casa de $13,1 bi(equivalente a R$2,656 bi). O presidente, por sua vez, defende com todas suas forças o ganho do empresariado: “Não posso acreditar que pessoas que exercem a docência, possam censurar que damos demasiadas facilidades, renúncia fiscal, ou mais claro, que cobremos menos impostos para mobilizar pessoas que possuem capital e os arriscam e investem.” Mas “Pepe” não se limita à defesa do repasse de dinheiro do estado aos empresários. Sua prática antissindical fica explícita na declaração escandalosa de que os docentes “Se querem ganhar mais, que trabalhem mais”.

Outra luta importantíssima nos últimos tempos no Uruguai foi dos trabalhadores da área da saúde. Com ocupações de hospitais e greves por todo país, a Federación de Funcionarios de Salud Pública (FFSP) encabeçou uma forte luta que se chocou diretamente com a política de Mujica para a área da saúde. Hoje, o salário inicial para os trabalhadores do setor está em $13.000 pesos(R$1.348,00). Mujica, não apenas não atendeu as reivindicações dos trabalhadores. Promoveu um decreto, declarando a “essencialidade” do serviço e proibindo amplos setores da categoria de entrarem em greve. Obrigando um setor da categoria a voltar a trabalhar e proibindo seu direito de lutar por melhores salários, o representante do governo e Ministro do Trabalho, Eduardo Brenta, disse: “o decreto presidencial nos habilita a substituir os grevistas e iniciar contratações”(dados do Ministério do Trabalho).


A boa relação com a burguesia

O empresariado no geral tem apoiado as medidas de Mujica. De acordo com dados da 6ª Pesquisa de Expectativas Empresariais, 65% dos empresários dizem que o clima de investimentos é bom ou muito bom no Uruguai. A concentração de terras assume uma forma brutal no Uruguai de Mujica. 9,2% das empresas que tem como sua atividade principal a exportação, detém 61% das terras. Nos últimos 10 anos, mais de 122 mil estabelecimentos agropecuários entre 10 e 100 hectares desapareceram, o que mostra o aprofundamento cada vez maior da concentração das terras. Enquanto os trabalhadores promoviam greves atrás de greves em busca de melhores salários, em maio de 2013 Mujica e cinco de seus ministros viajaram para a Espanha para buscar “investimentos”. O lugar da reunião não poderia ser mais emblemático: a cidade financeira do Banco Santander em Madrid. Justamente o Banco que mais demitiu trabalhadores ao redor do mundo e que é conhecido pelas suas práticas antissindicais. Na presença de centenas de empresários Mujica destacou: “No Uruguai vale à pena investir. Quem dá garantia não é o governo, é o próprio Uruguai(...). Que país do mundo tem um velho guerrilheiro como presidente que solicita que os empresários invistam? Se a economia não respira, não haverá prosperidade”. Ou seja, para o presidente uruguaio, a “prosperidade” de seu país está vinculada aos investimentos estrangeiros, uma receita clássica de qualquer governo neoliberal. Jorge Jordan, presidente do Santander na Espanha avalia e expõe seus objetivos: “O encontro foi muito positivo(...) Mujica foi contundente(...) O Objetivo do Santander depois de estar mais de 30 anos no Uruguai é também contribuir para que o país seja maior e tenha maiores possibilidades de negócios”. Os elogios deste setor tão importante da burguesia internacional, representante do capital financeiro, deixa claro as boas relações que mantem com o governo da Frente Ampla.

Em reunião com empresários do ramo hoteleiro em dezembro de 2012 Mujica avalia: "me limitei a falar de minhas ideias, as que todos conhecem, as que passam pelo que eu acredito para ajudar o Uruguai a ter um capitalismo sério, para que haja mais emprego e, portanto, mais a repartir.” Ou seja, Mujica deixa claro qual é o seu projeto estratégico para o Uruguai, um capitalismo “sério”. Um projeto claramente burguês, sem nenhuma perspectiva de socialismo.


Mujica: “O exemplo a seguir é o presidente Lula”

Em sua campanha eleitoral em 2010, com o objetivo de mostrar ao empresariado qual ia ser o projeto de seu governo, Mujica foi categórico e disse que seu exemplo era Lula. Daí a ter práticas antissindicais e política econômica em benefício dos empresários nacionais e internacionais era apenas questão de tempo. Para enfrentar greves dos trabalhadores por falta de investimentos nos serviços públicos também. É conhecido pelos trabalhadores conscientes no Brasil a imensa traição de classe que significou a Era Lula no Brasil. Dilma segue seu projeto hoje em um governo marcado pela criminalização das lutas, privatizações e política econômica a serviço da burguesia. Mujica forma parte deste mesmo projeto que nada tem a ver com um projeto político da classe trabalhadora.

Alguns ex-companheiros de Mujica o acusam de traidor. Muito parecido com o que fizeram os radicais fundadores do PSOL no Brasil em referência à traição de Lula. A notícia que mais rodou o mundo foi quando o ex-guerrilheiro Sergio Lamanna gritou frente a frente com o presidente na saída de uma reunião de Mujica com a Asociación Rural de Uruguay(ARU) acusando Mujica de “entregar o povo às multinacionais”


A política concreta sempre vale mais que um discurso

As conclusões dos dados apresentados anteriormente são simples. A política concreta de Mujica em nada favorece os interesses da classe trabalhadora uruguaia. De nada vale criticar em abstrato o consumismo em discurso na ONU e aplicar uma política de favorecimento dos banqueiros e empresas multinacionais. Com Mujica a burguesia segue com lucros cada vez mais altos, enquanto a classe trabalhadora amarga baixos salários. Mujica é apenas mais uma expressão da falência do projeto de conciliação de classes, cuja expressão máxima na América Latina foram os governos petistas no Brasil.


Data de Publicação: 1/10/2013


Extraído de:
 
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