domingo, 25 de agosto de 2013

Royalties do petróleo: quem são os verdadeiros beneficiados?

.
Fingindo dar uma resposta às mobilizações de massas de junho o Governo Dilma requentou como novidade e panacéia para a educação e a saúde o projeto dos royalties do petróleo - ideia que já havia sido devidamente esmiuçada e desmascarada por alguns movimentos sociais, estudiosos e especialistas quando de seu alarde no ano passado. [1]

Na última segunda-feira (19) a Presidente Dilma afirmou que o projeto aprovado pelos deputados e senadores representava “a proposta que sempre defendi e que meu governo enviou ao Congresso[2] e celebrou o intento como “uma vitória histórica”. Como complemento, na quinta-feira (22), a Presidente disse que “Precisamos desses recursos para pagar professores e transformar a profissão numa profissão de status no Brasil” e que “Status se reconhece com remuneração. Era necessário mais recursos (para a educação), e isso conseguimos com a aprovação dos recursos no Congresso.[3]

A questão central que vem sendo ocultada da sociedade brasileira tanto pelo governo, quanto pela “oposição” demotucana e até a grande mídia (que no debate anterior sobre o tema se limitou à divisão dos recursos chegando à baixeza de alguns jornalistas gaúchos destacarem a “traição” de Xuxa ao Rio Grande do Sul) são os próprios royalties. O que eles são? E por que existem?

No site do Senado Federal encontra-se que “Royalty é uma palavra de origem inglesa que se refere a uma importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre outros, ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização. No caso do petróleo, os royalties são cobrados das concessionárias que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade. O valor arrecadado fica com o poder público.[4]

É possível perceber na explanação do conceito da casa congressual brasileira o porquê da existência dos royalties: o petróleo brasileiro está sendo privatizado! O Engenheiro Paulo Metri esclarece em que condições esse processo vem sendo implementado:

“(...) O usual, mesmo no atual mundo constituído pelo império, entre os países satélites do império, as várias colônias dominadas e os países mais independentes, quando não possuem o monopólio estatal, é leiloarem áreas para empresas buscarem o petróleo e, se encontrarem, o produzirem. Isto acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Noruega.

No entanto, a subserviência ao mercado do governo brasileiro, acoplada à traição de brasileiros representantes dos interesses de grupos estrangeiros, inova ao entregar campo, e não mais área, para busca de petróleo.(...)” [5]

Assim, após investimentos públicos em pesquisa o governo brasileiro entrega campos trilionários de petróleo, como os 289 blocos privatizados no primeiro semestre, por royalties de apenas 15% a serem pagos em 30 anos!

Um entreguismo absurdo embalado e vendido como bom negócio para o povo brasileiro e como salvação da saúde e da educação do país e que terá prosseguimento no segundo semestre a menos que a pretensão da Presidente seja barrada pela mobilização social:

“Estes R$112 bilhões são apenas os recursos decorrentes do petróleo que já foi descoberto ou que já está sendo extraído. Como nós vamos continuar a descobrir e a explorar cada vez mais, este valor pode subir na medida em que vamos abrindo novas licitações, colocando novas áreas para a exploração do petróleo”

“Só o Campo de Libra contribuirá para que o saldo do Fundo esteja entre R$ 360 bilhões e R$ 736 bilhões nos próximos 35 anos” [idem 2]

Ou seja, o aumento dos investimentos em saúde e educação ficam condicionados à privatização do petróleo brasileiro, como atestam as palavras da própria Dilma. Uma lógica sinistra! Mas, segundo ela, com tais recursos seria possível “melhorar e dar educação de primeiro mundo para os jovens e os adultos. É isso que vamos fazer”. [6] Será?

O Estado brasileiro investe atualmente 5,3% do PIB em educação e 3,6% em saúde [7]. Seria necessário dobrar esses valores para que tais áreas tivessem um funcionamento satisfatório. No entanto o Estado gasta menos em saúde (42%) do que as famílias (58%) e bem menos do que países como Espanha, Reino Unido e Suécia que investem de 7% a 9% do PIB em seus sistemas públicos de saúde. [ibidem] Para a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, Lígia Giovanella:

“O SUS sofre de um subfinanciamento crônico. Quando a população vai às ruas clamar por mais recursos públicos na saúde, ela tem toda razão. Nosso gasto público com saúde é menor do que 4%. A gente precisa de pelo menos 8% do PIB. Precisamos dobrar os gastos. (...)” [ibidem]

Apesar dos discursos ufanistas do governo os recursos dos royalties são insuficientes para reverter esse quadro. Paulo César Ribeiro Lima, da Consultoria de Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos da Câmara dos Deputados, mesmo fazendo projeções com valores acima do celebrado pela Presidente Dilma é categórico ao constatar que “Não chegaremos nos 10%, nem pensar![8] Por sua vez, Daniel Clara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, calcula que o incremento será de 1% a 1,5% do PIB em 10 anos! [ibidem]

Para o ano que vem estão previstos R$ 1,4 bilhão para a educação, oriundos dos royalties [idem 6]. Uma ninharia! Além do mais, todo o ano o governo corta das áreas sociais para drenar recursos para o pagamento da dívida pública amparado em um mecanismo legal chamado Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2012 a saúde sofreu um corte de R$ 5,5 bilhões e a educação R$ 1,9 bilhão. Logo, o que garante que o governo, cuja preocupação número 1 dos protestos foi garantir aos especuladores que o modelo econômico seria mantido, não desviará parte desses recursos para os rentistas? Nada! Aliás isso já é uma realidade como denunciam Maria Lucia Fattorelli, Rodrigo Ávila e Heitor Claro (integrantes do Auditoria Cidadã da Dívida):

“Importante lembrar também que os royalties do petróleo têm sido destinados para o pagamento da dívida, em violação às leis que destinam tais recursos para áreas como meio ambiente e ciência e tecnologia. Em 2008, por exemplo, um estoque de R$ 20 bilhões dos royalties (pertencentes à União) foram indevidamente destinados à amortização da dívida, em operação que chegou a ser considerada irregular pelo Tribunal de Contas da União.”

“A dívida pública brasileira, que já representa 78% do PIB e consome quase 50% do orçamento da União, possui diversos indícios de ilegalidade e ilegitimidade que foram comprovados inclusive pela CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010. Essa dívida, que nunca passou por auditoria, como prevê a Constituição Federal, é altamente questionável, como também revelam estudos elaborados pela Auditoria Cidadã. O elevado volume de recursos consumidos pelo Sistema da Dívida tem impedido a realização dos investimentos necessários em todos os âmbitos, inclusive para projetos energéticos. Adicionalmente, as exigências relacionadas à privatização das estatais, impostas pelo FMI desde a década de 80 e já incorporadas à agenda política dos últimos governos, têm provocado a sucessiva entrega do patrimônio público ao setor privado.” [9]

Em junho o próprio governo já havia anunciado o desejo de utilizar recursos das concessões (privatizações) para engordar o superávit primário, incluindo os blocos de petróleo. Uma alteração na Medida Provisória (MP) 600 garantiria a legalidade de tal manobra. [10]

Por fim cabe ressaltar que diferente do que consta na citação da Presidente no início desse artigo, o projeto final aprovado diferiu do inicialmente enviado pelo seu governo (que era ainda pior), mas ainda assim deixou as portas abertas para uma futura revisão dos recursos oriundos do Fundo Social, conforme alertou o deputado federal Ivan Valente do PSOL:

“Também preocupa muito o acordo realizado com o governo de aprovar o texto apresentado na condição de, no futuro, revê-lo e voltar a destinar apenas os rendimentos do Fundo Social para a educação e saúde. Oras, isso seria um golpe, ainda mais considerando que os recursos do petróleo só causarão impacto no setor em 2017.” [11]


Uma “vitória histórica” das multinacionais petrolíferas e dos especuladores

Entrega de campos já descobertos com recursos públicos, royalties de apenas 15% (quando outros países cobram até 70% [idem 1]), recursos pífios para as áreas sociais com possibilidade de desvios para o rentismo, entre outros descalabros que podem vir a surgir. Fica claro que a “vitória histórica” anunciada pela Presidente Dilma não é nem da saúde, nem da educação e tampouco da sociedade brasileira mas das multinacionais estrangeiras e dos especuladores.

A Petrobras há muito se tornou uma estatal de fachada. Se o governo detem a maioria das ações ordinárias (que dão direito a voto), a maior parte das ações preferenciais (que dão direito aos dividendos) são privadas: 44% nas mãos de estrangeiros, 29% outros privados e apenas 27% estão em posse do governo. [12] Ou seja, a maior parte dos lucros da empresa vão para acionistas privados, não para o governo.

Esse fenômeno tem sérias consequências para o conjunto da sociedade pois os interesses especulativos privados no interior da empresa pressionam para o aumento dos preços dos combustíveis. Isso aconteceu no primeiro semestre quando a Petrobras promoveu uma captação externa de US$ 11 bilhões em títulos (73% para americanos, 17% para europeus e 7% para asiáticos [13]). Parte dos especuladores se queixaram do baixo preço da gasolina no Brasil. Menos de um mês depois, o Copom, servilmente, anunciou mais um possível aumento na gasolina até o final do ano [14], possibilidade que deve se tornar real nos próximos dias, embora com outros argumentos. [15]

A pressão especulativa não isenta de responsabilidade o Governo Dilma (nem o de Lula) pois seguiram privatizando o petróleo brasileiro alimentando cada vez mais um processo que prejudica o conjunto da população e deixa o país cada vez mais vulnerável. Não são vítimas, nem inocentes, bem pelo contrário, como novos agentes da ordem ainda tentam vender como “vitória histórica” seu entreguismo sinistro – o maior da História do país.


__________________________________________________

[1] Royalties do Petróleo: Para a educação??? Auditoria Cidadã (04/12/2012):

[2] Aprovação dos royalties do petróleo representa “vitória histórica”, diz Dilma (19/08/2013):

[3] Dilma diz que royalties farão de professor uma “profissão de status” no país (23/08/2013):

[4] Royalties

[5] Libra: a gota de petróleo a transbordar o barril (29/05/2013):

[6] Royalties vão garantir 'educação de 1º mundo' no País, diz Dilma (19/08/2013):

[7] Menos de 4% do PIB é o investimento em Saúde no Brasil (30/06/2013):

[8] Dinheiro dos royalties não será suficiente para cumprir Plano Nacional da Educação, diz especialista (19/08/2013):

[9] Leilões de Bacias Petrolíferas, de Hidrelétricas, e o Sistema da Dívida (13/08/2013):

[10] Receita de concessões engordará superávit primário (14/06/2013):

[11] Aprovação dos royalties foi importante, porém a grande vitória serão os 10% do PIB para educação pública!

[12] Nos 60 anos da Petrobras, Governo Dilma oferece bolo envenenado. Nazareno Godeiro, da coordenação nacional do ILAESE. Gráfico da pág. 16.

[13] Petrobras concluiu captação recorde de US$ 11 bilhões em títulos de dívida (23/05/2013):

[14] Gasolina deve ter reajuste de 5%, prevê Copom (06/06/2013):


[15] Novo reajuste de combustíveis neste ano é dado como certo no governo (22/08/2013):
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/08/1330094-novo-reajuste-de-combustiveis-neste-ano-e-dado-como-certo-no-governo.shtml


.