segunda-feira, 17 de junho de 2013

O povo pede passagem

.
O Brasil pode estar ingressando na rota dos grandes protestos sociais que têm tomado conta de vários países pelo mundo. Ao menos é o que parece indicar os sucessivos atos contra os aumentos das passagens de ônibus ocorridos em várias capitais do país.

Na última quinta-feira (13/06) uma jornada de luta nacional foi convocada e até cidades que já haviam conquistado a redução da tarifa, como Porto Alegre, colocou mais de 5 mil pessoas nas ruas em solidariedade ao Rio de Janeiro e São Paulo.

Inicialmente a grande mídia tentou criminalizar os movimentos e pediu abertamente pela repressão da polícia. Em editorial intitulado “Chegou a hora do basta”, o Estadão reclamou da “moderação” da PM e pediu que esta agisse com “rigor máximo” contra os “baderneiros”:

"No terceiro dia de protesto contra o aumento da tarifa dos transportes coletivos, os baderneiros que o promovem ultrapassaram, ontem, todos os limites e, daqui para a frente, ou as autoridades determinam que a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem, o que é inaceitável.
(...)
A PM agiu com moderação, ao contrário do que disseram os manifestantes, que a acusaram de truculência para justificar os seus atos de vandalismo.
(...)
De Paris, onde se encontra para defender a candidatura de São Paulo à sede da Exposição Universal de 2020, o governador disse que "é intolerável a ação de baderneiros e vândalos. Isso extrapola o direito de expressão. É absoluta violência, inaceitável". Espera-se que ele passe dessas palavras aos atos e determine que a PM aja com o máximo rigor para conter a fúria dos manifestantes, antes que ela tome conta da cidade.

Haddad, que se encontra em Paris pelo mesmo motivo, também foi afirmativo ao dizer que "os métodos (dos manifestantes)não são aprovados pela sociedade. Essa liberdade está sendo usada em prejuízo da população"." [1]

Confiante no sucesso da sua campanha de calúnias o Estadão não tinha dúvidas de que “a população quer o fim da baderna - e isso depende do rigor das autoridades.”

Evocando a “ordem” a Folha publicou um editorial pedindo para o governo e a PM “Retomar a Paulista” e defendeu abertamente a proibição das manifestações ou a sua organização em local “alternativo”, provavelmente algum lugar distante e escondido:

"É hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na avenida Paulista, em cujas imediações estão sete grandes hospitais.

Não basta, porém, exigir que organizadores informem à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), 30 dias antes, o local da manifestação. A depender de horário e número previsto de participantes, o poder público deveria vetar as potencialmente mais perturbadoras e indicar locais alternativos.

No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a força da lei. Cumpre investigar, identificar e processar os responsáveis. Como em toda forma de criminalidade, aqui também a impunidade é o maior incentivo à reincidência." [2]

O poder de manipulação desses veículos midiáticos não teve o efeito esperado e a maioria da população não só demonstrou que apóia a “baderna” como as manifestações se tornaram ainda mais numerosas. Expressão desse sentimento foi a desmoralização pública do histriônico jornalista José Luiz Datena que, no programa “Brasil Urgente”, da Rede Bandeirantes, viu o “Sim” ganhar de goleada na sua enquete que perguntava maliciosamente se “Você é a favor de protesto com baderna?”. [3]


Conforme desejado pelos referidos jornais a repressão policial se intensificou e como sádicos descontrolados os PMs passaram a alvejar tudo o que se movimentava. Até mesmo pessoas que não participavam dos protestos e até jornalistas que cobriam o evento foram reprimidos - alguns feridos drasticamente - e até indiciados por crimes contra a ordem. A própria Folha teve seis jornalistas feridos - dois deles nos olhos. [4]

Dois dias depois do editorial que pedia “a hora do basta” o Estadão foi obrigado a reconhecer que a “Repressão da PM em SP faz apoio a protestos crescer”. [5] O tom da grande mídia brasileira passou a mudar [6] possivelmente pelo receio das classes dominantes de que tais manifestações possam tomar uma amplitude além da pauta mais imediata das tarifas de ônibus. Esse sentimento já se manifesta abertamente em alguns jornais como na Zero Hora de Porto Alegre do dia 16 de junho onde a colunista Rosane de Oliveira observou que os protestos “já não se restringem ao transporte coletivo”, que ficou “mais complexo interpretar esse movimento pelo fato de não ter um comando único e porque os jovens defendem outras causas além da passagem mais barata” e que o “transporte coletivo é, ao mesmo tempo, o foco e o pretexto para protestar contra outros incômodos – da homofobia à má qualidade dos serviços públicos, passando pelos gastos com a Copa do Mundo e tudo o que se faz em nome do Mundial, incluindo o corte de árvores para o alargamento de vias.[7]

Embora tente contemporizar suas próprias descobertas - como dizer que “não existe um inimigo comum” como no tempo da ditadura ou do “Fora Collor” ou de que não se está tentando derrubar o governo como na Primavera Árabe - e vacile em reconhecer que as diversas pautas têm como alvo de protesto um mesmo status quo que cria os referidos problemas, fica claro que Rosane se mostra reticente em relação ao rumo futuro incerto de tais movimentos até porque são integrados cada vez mais por ativistas novos que não possuem compromissos com o governismo, sendo, portanto, mais difíceis de serem controlados e cooptados.


Mudança na conjuntura

Nunca se sabe qual será a gota que fará o copo transbordar. Nos países onde estouraram rebeliões populares que derrubaram governos e chacoalharam regimes o estopim que desencadeou tais processos foram questões aparentemente menores como a repressão a um ambulante (Tunísia) e a repressão a ativistas que defendiam a manutenção de uma praça e rejeitavam o corte de árvores (Turquia). No entanto, havia um acúmulo de descalabros anteriores que terminaram sendo canalizados pelos respectivos eventos.

Fruto de um mesmo modelo sócioeconômico já celebrado como sucesso nos países anteriormente mencionados [8], os descalabros também se avolumam no Brasil. Algumas lutas contra os mesmos têm ocorrido e até aumentado nos últimos anos. Em 2012, por exemplo, houve um aumento de 58% no número de greves no país se comparado com 2011. A maioria (53%) no setor privado. [9] Some-se a isso a atual rebelião indígena, ocupações de terras, as resistências às desocupações forçadas para as obras da Copa, corrupção, entre outros e percebe-se que as lutas sociais aumentam cada vez mais como resposta ao aprofundamento de um modelo que tenta ganhar fôlego diante dos ventos cada vez mais fortes da crise do capital no país.

Essas, e outras demandas, pegam, de certa forma, carona nas atuais revoltas contra os aumentos das tarifas de ônibus. Se vão acelerar para atropelar o regime ou algum governante é uma incerteza da conjuntura, fato que deixa receosa as classes dominantes e os políticos brasileiros. Não foi atoa que Lula apareceu defendendo uma conciliação “com as empresas e com a sociedade”. [10]

O certo é que a conjuntura da luta de classes no Brasil está sofrendo uma mudança sensível, o que pode ser confirmado pela vaia emitida contra Dilma e Joseph Blatter na abertura da Copa das Confederações.




Os governos do PT - principais agentes do modelo sócioeconômico que começa a mostrar esgotamento e sofrer resistência popular nas ruas - diante da perda cada vez maior do controle dos movimentos sociais apelam cada vez mais para a repressão aberta. Tem sido assim com grevistas, indígenas, sem tetos e sem terras [11] e está sendo assim com os ativistas que lutam contra os aumentos das tarifas de ônibus.

Nessa empreitada macabra petistas e tucanos se dão as mãos. Em São Paulo, Alckmin e Haddad condenaram no mesmo tom os manifestantes. Isso muita gente viu. O que muitos desconhecem é a colaboração do Governo Dilma com a repressão: a Abin está infiltrada e espionando os ativistas [12] enquanto que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu a atuação da Polícia Federal no Rio de Janeiro e em São Paulo. [13]

Fica claro que PT e PSDB são iguais no trato das reivindicações sociais causadas pelo modelo sócioeconômico que defendem e praticam. Felizmente o povo brasileiro parece estar compreendendo a necessidade de se organizar de forma independente desses dois blocos políticos similares. O povo pede passagem, e antes que os ventos da crise se tornem um vendaval. É um fato muito positivo e progressivo.


_________________________________________

[1] Chegou a hora do basta (13/06/2013):

[2] Editorial: Retomar a Paulista (13/06/2013):

[3] Enquete faz Datena mudar de ideia sobre protestos de São Paulo (13/06/2013):

[4] Jornalistas são presos e feridos em protestos de SP

Repórter da Folha ferida no olho volta a enxergar (14/06/2013):

[5] Repressão da PM em SP faz apoio a protestos crescer (15/06/2013):

[6] Sobre as capas das semanais – Vol. 2 (15/06/2013):

[7] Muito além das passagens de ônibus (15/06/2013):

[8] O que o Ocidente dizia do Norte da África? (29/01/2011):

[9] Número de greves no ano passado cresceu 58%, segundo Dieese (23/05/2013):

[10] “Transporte público é assunto urgente para cidades”, diz Lula sobre protestos (13/06/2013):

[11] Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão (12/05/2013):

[12] Após protestos coordenados, Abin eleva risco para grandes eventos (07/06/2013):

[13] Cardozo afirma que pediu à PF que acompanhe protestos contra aumento das passagens (12/06/2013):



.