domingo, 18 de novembro de 2012

Um manifesto em defesa do governo

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Um grupo formado por dirigentes sociais que defendem o governo petista, intelectuais, membros (e ex-membros) do próprio governo petista e até do Governo FHC estão organizando um manifesto intitulado "A crise mundial, a defesa do Brasil e da paz" para, segundo eles, promover a "reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial". [1]

Encabeçado por João Pedro Stédile (MST), Luiz Pinguelli Rosa (ex-presidente da Eletrobras durante o Governo Lula), Marcio Pochmann (ex-presidente do IPEA e candidato derrotado do PT à Prefeitura de Campinas em 2012), Samuel Pinheiro Guimarães (Diplomata, ocupou cargos nos governos Lula e Dilma), Pedro Celestino, Roberto Amaral (ex-ministro da Ciência e Tecnologia do Governo Lula, vice-presidente do PSB, integra os conselhos de administração de Itaipu Binacional e do BNDES) e Ubirajara Brito (escritor) o referido manifesto conta com o apoio de Luiz Carlos Bresser Pereira (ex-ministro de Reforma do Estado de FHC), Moniz Bandeira (intelectual) e Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES do Governo Lula).

Chama atenção o fato do documento que se pretende "enfrentar a crise mundial" não caracterizar a própria crise. Suas origens, as medidas tomadas diante dela e suas consequências não são abordadas. Sequer a quimera reformista de culpar a especulação pela crise é levantada. O máximo que o documento descreve é a reação violenta do imperialismo estadunidense diante dela, o que é insuficiente para entender a crise atual e poder enfrentá-la corretamente.

Esse "deslize" não ocorre de forma acidental. O objetivo declarado do manifesto não é a sincera "reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial" mas a formação de uma verdadeira tropa de choque para a defesa dos governos petistas que deverão ampliar os ataques aos direitos dos trabalhadores com o aprofundamento da crise financeira no mundo e no país. A defesa do governo é um princípio apontado de forma clara no manifesto:

"É portanto urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mais forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade."

Tal princípio não só exclui de antemão aqueles que se opõem ao governo petista pela esquerda como abre as portas para chamar de "agentes da direita" os que vierem a se mobilizar contra os ataques do governo - como já foi feito em outras ocasiões.


O fator nacional e o desenvolvimento

Para enfrentar uma crise econômica que não é analisada a fórmula se resume ao "fator nacional":

"O REPÚDIO À prepotência dos Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela, manifestados com força crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais uma vez a importância do fator nacional na luta política. Os Estados nacionais, ao invés de desaparecerem, regressaram com força maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da dominação ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização popular nos movimentos revolucionários desde a luta pela independência nos próprios Estados Unidos, repontando sempre, sob diversas formas, na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução Cubana, volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como força transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no início apontam para objetivos patrióticos e parciais, mas tendem a avançar para conquistas democráticas de maior alcance social.

Esse ressurgimento do fator nacional no centro da ação política é realidade hoje por toda parte no mundo. É entretanto na América do Sul que ele encontra sua manifestação mais saliente e que mais de perto interessa aos brasileiros."

Restaria saber se os nossos "neonacionalistas" aceitariam que as massas brasileiras avançassem "para conquistas democráticas de maior alcance social" uma vez que isso hoje só pode ser obtido através de uma luta decidida contra o próprio governo que eles querem proteger e preservar.

Mas o pretenso nacionalismo desses senhores se revela quando glorificam a espinha dorsal do seu programa: o "desenvolvimentismo" atualmente praticado pelas gestões petistas.

"Em 1998, elege-se na Venezuela o presidente Hugo Chávez, com uma plataforma anti-imperialista e com a intenção de cumprir o prometido. Em 2002, elege-se no Brasil o presidente Lula, que alterou gradativamente a política econômica neoliberal dos governos anteriores para beneficiar a aceleração do desenvolvimento econômico, e adotou uma política de socorro às camadas mais pobres da população, fortalecendo com isso o mercado interno; adotou também uma política externa de autonomia em relação aos Estados Unidos, que permitiu rejeitar o ominoso projeto da ALCA, livrar o Brasil da subordinação ao FMI, privilegiar a aproximação com a América do Sul, com fortalecimento do Mercosul e da Unasul, assim como permitiu expandir as relações do Brasil com países e povos da África, do Oriente Próximo e da Ásia." (Grifo nosso)

A Venezuela, citada no manifesto, é um bom exemplo dos limites históricos do nacionalismo burguês em geral, e na etapa presente em particular. Esses movimentos, em sua maioria, iniciam com um relativo enfrentamento ao imperialismo pelo fato deste dominar setores importantes da economia local, mas como o seu limite é o próprio capitalismo, retrocedem cedo ou tarde junto com as oscilações do sistema. A Líbia foi um caso clássico nesse sentido. Após um período nacionalista Kadafi vinha, nos últimos anos, aprofundando uma política de privatização e de desnacionalização da economia local, tendo privatizado 1/3 das estatais e tinha o objetivo de privatizar metade da economia nos próximos 10 anos. [2]

Na Venezuela tão logo a crise financeira capitalista eclodiu a "revolução" bolivariana ao invés de avançar para o anti-imperialismo, acabou iniciando um forte declínio. O presidente Hugo Chávez, em vez de liderar uma política de combate aos especuladores, resolveu atacar os trabalhadores e chegou a dizer que em tempos de crise não se faz greve! O retrocesso do nacionalismo burguês bolivariano é o grande responsável pelo crescimento eleitoral da direita no país.

Evidentemente não se pode colocar no mesmo saco o bolivarianismo do país vizinho, que teve um período relativamente nacionalista, e o lulismo brasileiro, que se limitou a seguir o trabalho do seu antecessor dando apenas uma aparência mais simpática, "popular" - embora os seguidores do manifesto digam o contrário.

Eles afirmam que houve mudança na política econômica neoliberal mas não explicam como, uma vez que as metas de superávit primário, os ajustes fiscais no orçamento que cortam das áreas sociais, as leis que retiram dessas mesmas áreas para dar aos rentistas e as privatizações foram renovadas e aprofundadas. As políticas de "socorro" visam exatamente facilitar a aplicação dessa política econômica e longe de mostrar um rompimento com a banca internacional mostram o seu alinhamento uma vez que programas assistencialistas como o Bolsa Família são indicados por instituições como o Banco Mundial e no caso brasileiro foi sugerido pelo tucano Marconi Perillo, cujos créditos foram reconhecidos pelo próprio Lula. [3]

O Banco Mundial sugere a aplicação desse tipo de programa em conjunto com cortes nas áreas sociais como saúde, educação e previdência. É uma política de dar com a mão esquerda para melhor poder tirar em dobro com a direita. Como os que têm feito essa lembrança são chamados de sectários e insensíveis pelos governistas, cabe verificar o que dizia o próprio Lula sobre esse tipo de programa:

(...) lamentavelmente no Brasil o voto não é ideológico (...) e lamentavelmente você tem uma parte da sociedade que pelo alto grau de empobrecimento ela é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta básica. É por isso que se distribui tanto tíquete de leite. Porque isso, na verdade, é uma peça de troca em época de eleição. E assim você despolitiza o processo eleitoral. Você trata o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil, tentando distribuir bijuterias, espelhos para ganhar os índios. E eles distribuem alimentos. Você tem como lógica manter a política de dominação que é secular no Brasil (...)” [4]

A propalada "autonomia em relação aos Estados Unidos" contrasta com a vergonhosa ocupação do Haiti e as ações políticas que visaram acalmar o movimento de massas no continente e até consolidar golpes da direita na região. Recentemente documentos do Wikileaks demonstraram como, ao contrário do que se chegou a imaginar, o Brasil foi colaborador e cúmplice dos golpes em Honduras, Haiti e Paraguai. [5]

Mas além de uma política de gerente dos interesses do imperialismo na região o Brasil buscou expandir os negócios da burguesia local para o estrangeiro. Foi pautado nesse interesse que o Brasil buscou "fortalecer" algumas relações na América do Sul, Ásia, África e Oriente Médio. Não uma integração sincera entre povos mas o puro interesse comercial em alguns casos com traços abertamente subimperialistas. Vale lembrar que essa política foi elaborada no final do Governo FHC. [idem 5]

Por outro lado, no plano interno, o governo petista aprofundou a desnacionalização, a privatização e a dependência externa da economia local. Esse movimento aparentemente contraditório é totalmente coerente com a lógica de privilegiar as grandes corporações (sejam elas nacionais ou estrangeiras) de uma política econômica que vem desde os tempos de FHC mas que agora é celebrada pelos nossos "neonacionalistas" como "desenvolvimentista".


A crise e as 11 propostas

a) A crise

Se a caracterização do governo é um desastre as 11 propostas do manifesto são uma verdadeira tragédia. Elas reivindicam a radicalização do que vem sendo praticado, o que se cumprido à risca aviltará não só o que resta dos interesses nacionais mais usurpará o que ainda resta dos direitos dos trabalhadores - chama atenção o fato de não haver referência à defesa desses direitos entre as 11 propostas.

Antes de analisar, uma a uma, as 11 propostas do manifesto, vejamos, até para reforçar o que foi dito no parágrafo anterior, como os nossos "neonacionalistas" encaram a atual política "anticrise" do governo petista:

"A presidente Dilma, diante do agravamento da crise financeira internacional, avança na política econômica, enfrentando a questão do freio dos altíssimos juros à expansão da economia nacional, corrigindo na política de câmbio a valorização excessiva do real e mantendo e ampliando as políticas de inclusão social. No plano externo, embora com mudança de ênfase, persiste de modo geral a afirmação de política não alinhada aos Estados Unidos."

Já foi demonstrada aqui a falácia da política autônoma em relação ao imperialismo estadunidense. Abordemos agora um pouco aquilo que os nossos senhores passaram batido: a crise financeira.

Como demonstrou Marx a origem de toda a crise capitalista é a base produtiva do próprio sistema. A concorrência entre as empresas as leva a buscar vender mais barato do que o concorrente. Para isso investem em tecnologia para aumentar a produtividade e reduzir os custos de produção. Isso acarreta em demissões e redução de salários por um lado e queda da taxas de lucros das empresas por outro, além de uma abundância de mercadorias produzidas para serem consumidas. A essa queda as empresas respondem com novas medidas para reduzir os salários afetando a capacidade de consumo dos trabalhadores.

Quando fica difícil de acumular e reproduzir o capital somente com a produção os capitalistas vão atrás de atividades especulativas, seja a financeira strictu sensu, seja em outro ramo da economia.

Nas últimas décadas as mudanças na base produtiva levaram exatamente ao cenário descrito anteriormente. O desenvolvimento tecnológico propiciou um incremento sem precedentes na produção, ao passo que exigiu medidas de redução diretas dos custos do trabalho, afetando a renda e o poder de consumo dos trabalhadores dos países capitalistas centrais. Esse processo foi sendo aprofundado no início dos anos 70 com a substituição de um capitalismo mais regulado por um menos regulado.

Nessa conjuntura as atividades especulativas cresceram. E para atenuar o descompasso entre elevada capacidade produtiva de um lado e capacidade consumidora dos trabalhadores reduzida de outro foi acionado o crédito para manter o consumo. Também foram infladas bolhas imobiliárias especulativas em vários países pelo mundo. No final de 2007 essa bolha estourou nos Estados Unidos e o resto da História todo mundo já conhece.

Até 2008 a prioridade no Brasil era a produção para exportação. Quando a crise estoura essas ficam prejudicadas e o governo brasileiro, para escoar essa produção, passa a tomar medidas para estimular o consumo interno das famílias, o chamado mercado interno, até então negligenciado. O empresário Abílio Diniz, que apóia o governo petista, disse que o país trocou "o consumo externo pelo interno".

Mas esse consumo interno foi alavancado não pela valorização do salário mínimo, que aumentou menos na era petista do que na FHC, mas através do crédito. Para se ter uma ideia do crescimento do mesmo, em 2007 ele representava 34,2% do PIB e em 2011 já havia atingido 49,1%!
Segundo a "Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)" divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em maio de 2011, 64,2% das famílias brasileiras já encontravam-se endividadas.

A redução dos juros celebrada acriticamente pelos nossos "neonacionalistas" é um pedido das próprias classes dominantes e busca exatamente expandir ainda mais o crédito e tem sido feito às custas da redução dos já parcos ganhos da poupança dos trabalhadores.

Parte desse crédito tem sido utilizado para inflar a bolha imobiliária. Ainda que, em relação ao total do crédito, esse setor fique com uma quantia pequena, o volume de crescimento do crédito para ele também tem sido elevado.

Somente em 2011 o crédito imobiliário cresceu 42% em relação ao ano de 2010, isso levando-se em conta apenas os financiamentos com recursos da caderneta de poupança. Em 2010 o aumento foi de 65% em relação ao ano anterior.

Mas crédito e bolha imobiliária não foram exatamente as medidas tomadas pelos países capitalistas centrais no período de gestação da crise? Eis o diferencial das gestões petistas que os nossos "neonacionalistas" celebram e desejam aprofundar! [6]

b) As 11 propostas

Analisemos agora, uma a uma, as propostas do manifesto.

"Um elenco de propostas nesse sentido deve incluir:

1) a efetiva aceleração do desenvolvimento econômico do país;

2) a subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento;"

Os signatários do manifesto partem da caracterização de que o Brasil está se desenvolvendo embora um olhar mais atento mostre outro cenário. A Edição 694, de abril de 2012, da Revista Carta Capital, que apóia o Planalto, lançou como matéria de capa o debate "Crescimento não é desenvolvimento", onde aponta as mazelas básicas (saúde, saneamento, educação, habitação, etc) que ainda assolam o país [7]. Faltou na matéria relacionar a manutenção desses problemas com a política econômica já que esta retira recursos exatamente dessas áreas para repassar aos especuladores.

Nos últimos anos cresceu a privatização, a desnacionalização e a dependência externa da economia brasileira. Amplos setores da economia são dominados pelo capital estrangeiro. Um dos mais visíveis é o setor automotivo. Não é por acaso que o economista Adriano Benayon tem zombado quando o governo anuncia medidas de isenções fiscais e desonerações para proteger a indústria "nacional". [8]

O capital estrangeiro domina mesmo em algumas das grandes obras, como a Usina de Jirau, controlada por um grupo franco-belga, a GDF Suez. A referida obra, assim como a maioria delas, vem sendo tocada com farto dinheiro público, oriundo principalmente do BNDES.

Com muita frequência, nos últimos anos, o Tesouro tem feito aportes ao BNDES para que este entregue seus recursos para o lucro das grandes empresas, uma operação que eleva o endividamento público. Depois da farra do capital com dinheiro público vem os ajustes fiscais, como o corte de mais de 50 bilhões no início de 2012 onde a tesoura passou por áreas importantes e carentes como a saúde e a educação.

Os bancos públicos já operam na lógica de financiar o lucro privado. Agora, sob o guarda-chuva do "desenvolvimento", nossos "neonacionalistas" desejam radicalizar esse entreguismo ao pedir pela "subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento"!

Uma postura submissa que tem que fechar os olhos para as condições degradantes de trabalho que imperam nas grandes obras "desenvolvimentistas" e para as violações dos direitos das minorias étnicas afetadas por essas construções.

"3) a posse dos recursos naturais do país e a recuperação das empresas e recursos públicos estratégicos dilapidados;"

Depois de defender a radicalização de um "desenvolvimento" calcado na dilapidação dos recursos públicos, dos direitos dos trabalhadores e das minorias étnicas, eis que surgem nossos "neonacionalistas" falando em defesa dos recursos naturais, das empresas e recursos públicos!

Ou estamos diante de uma gritante contradição, o que é pouco provável, ou diante de um jogo de palavras pernicioso para enganar os distraídos, o que é mais provável.

Perceba-se que não se fala em estatização ou reestatização. Fala-se em "posse" e em "recuperação" o que não só é demasiado amplo como cabe perfeitamente na atual forma de gestão petista.

Quando a presidente Dilma anunciou as privatizações de rodovias e ferrovias, ciente da contradição com o discurso de campanha, ela negou as privatizações alegando exatamente que o Estado estava apenas concedendo por um determinado período as vias públicas para a iniciativa privada e não abrindo mão delas.

No Rio Grande do Sul, o governador petista Tarso Genro, vem utilizando a estatal Corsan para realizar "parcerias" e privatizar o saneamento básico, alegando a "recuperação" do serviço. [9]

O conceito de dilapidação, como aqui não é definido e tendo em vista o apoio dos signatários do manifesto ao governo, também pode ser manobrado para encobrir o entreguismo do patrimônio e do dinheiro público. O entreguismo mais medonho será perfeitamente aceito desde que operado dentro da legalidade e objetive o “desenvolvimento” - aliás é essa a palavra mágica utilizada pelo Planalto para realizar as privatizações com dinheiro público.

Como dinheiro no bolso não é jogo de palavras Eike Batista não vacilou em chamar as concessões petistas de "kit felicidade", ainda mais que esse kit é recheado de dinheiro público. Nenhuma crítica a esse, e outros kits, consta no manifesto. Normalmente quem cala consente. Nesse caso ou apóia ou é cúmplice.

"4) a efetivação de um programa de reforma agrária que penalize o latifún-dio improdutivo e beneficie as propriedades produtivas de pequeno e médio porte;"

Mais um jogo de palavras para enganar os distraídos. A estrutura agrária concentradora e excludente não é questionada, pede-se apenas uma penalização do latifúndio improdutivo, uma medida cosmética e moralizadora que na prática abdica da reforma agrária.

É vergonhoso que um dirigente do MST encabece um manifesto com esse tipo de proposta!

"5) a destinação de maiores verbas às políticas públicas de educação, o fortalecimento do ensino público e a melhor adequação dessas políticas aos interesses do desenvolvimento tecnológico e cultural do país;"

Sequer reivindica os 10% do PIB para a educação! Nem de forma imediata (o que seria correto), nem para daqui a mil anos!

Falar em destinar "maiores verbas" é amplo e só serve para celebrar coniventemente qualquer migalha a mais jogada pelo governo na área, que é o que tem feito os governos petistas.

Pede pela adequação do ensino à lógica "desenvolvimentista" praticada pelo governo petista em vez de uma educação que possibilite a capacidade de crítica e de emancipação dos setores excluídos e explorados.

O atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que esteve na Europa oferecendo os jovens gaúchos como mão de obra barata para as multinacionais, deve ser a inspiração dos nossos "neonacionalistas" [10]. Talvez por isso não tenham defendido a aplicação da lei do piso nacional para os professores em seu manifesto.

"6) o reforço aos orçamentos de entidades de saúde pública, a obrigação dos serviços privados de seguridade de ressarcirem gastos dos serviços públicos de saúde com atendimento a segurados dos serviços privados, o fomento à pesquisa de aplicação de novos procedimentos de saúde sanitária básica, preventiva e de tecnologia atual;"

Novamente uma escrita ampla e confusa que serve para celebrar qualquer migalha jogada pelo governo para o setor. Nenhuma palavra pelo fim dos cortes de recursos nessa área e na educação para entregar para os especuladores.

Para piorar não questiona a mercantilização da saúde apenas defende uma ridícula moralização dos planos privados.

"7) a mudança da política de repressão policial dirigida contra a população mais pobre, principalmente não branca, por uma política democrática de segurança pública, o fortalecimento da política de não discriminação de gênero;"

E quem pratica a repressão policial contra a população pobre? Mais uma vez a fala é ampla, provavelmente para não ter que falar da militarização das favelas via UPPs apoiada pelo governo federal.

"8) o reforço do controle pelo poder público das concessões de meios de comunicação a grupos privados com vistas ao aprofundamento do regime democrático;"

E como seria feito esse controle? E as verbas publicitárias do governo despejadas para os tubarões da grande mídia? E a repressão às mídias alternativas praticadas em número recorde pelas gestões petistas? Nada disso é mencionado ou reivindicado.

"9) o reequipamento das Forças Armadas e a dotação a elas de recursos necessários à eficiente defesa do território nacional, assim como a adequação do conteúdo da formação nas escolas militares à defesa da democracia e dos interesses fundamentais do país;"

E quais seriam os interesses fundamentais do país? Seria o "desenvolvimento"? Se este estiver entre os "interesses fundamentais" nossos "neonacionalistas" podem ficar sossegados pois os governos petistas não só enviam as forças de repressão contra os grevistas que não entendem os "interesses fundamentais" como Dilma aprovou, em julho, o PROTEGER, programa elaborado pelo exército para "proteger" as instalações consideradas estratégicas, que coincidem com as grandes empresas e obras do país.

"10) a ampliação e a consolidação da política de unidade com a América do Sul – essencial para a preservação dos governos progressistas na região; e"

Já mostramos qual o real caráter dessa unidade: expansão do capital nacional e gerenciar os interesses do imperialismo amansando o movimento de massas na região.

"11) a defesa de uma política externa de respeito à soberania dos Estados, de relações amistosas com todos os povos e de defesa da paz."

Como conciliar "respeito à soberania" e "defesa da paz" com a ocupação no Haiti? Nenhum pedido de retorno dos nossos soldados do pobre país caribenho!

Poder-se-ia dizer que é uma reivindicação. Mas não é. Trata-se de uma convicção. Para os signatários do manifesto os governos petistas são exatamente o que consta no item. Como eles mesmos dizem:

"NO BRASIL, OS movimentos sociais organizados são ainda débeis. O governo do presidente Lula refletiu essa debilidade. Manteve uma política econômica em que ainda havia espaço para o neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder aquisitivo da população pobre e desenvolveu uma política externa de autonomia em relação ao imperialismo estadunidense e defesa da paz. A presidente Dilma mantém nas linhas gerais essa diretriz." (Grifo nosso)

Irresistível não comentar sobre a "debilidade" dos movimentos sociais brasileiros. Desde 2003 as direções da CUT, da UNE e do MST buscam represar todas as lutas contra os governos petistas. A percepção do papel de correia do governo levou muitos ativistas a romper com essas direções e criar outras organizações.

A sabotagem das lutas, a defesa do governo e a propagação da confusão no seio das classes subalternas por dirigentes como João Pedro Stédile, que encabeça esse manifesto, são os principais responsáveis pela "debilidade" dos movimentos sociais no Brasil. Essa atitude gerou dispersão, ceticismo e rupturas que levarão algum tempo até que a necessária reorganização da classe se concretize.

Mas não é essa "debilidade" que explica a "debilidade" do Governo Lula. Aqui tenta se imputar a traição do governo petista e a capitulação de dirigentes sociais ao movimento de massas, ou seja, a culpa seria do povo!

O papel dos dirigentes sociais que buscam segurar os trabalhadores com a mão esquerda e entregar seus direitos com a direita simplesmente é omitido. Atualmente a direção da CUT, uma das maiores centrais sindicais do continente, sem consulta alguma a base, está apoiando uma proposta que acaba com os direitos trabalhistas, utilizando os mesmos argumentos de FHC que tentou aniquilar a CLT no final do seu mandato.

Essa verdadeira traição não pode ser explicada com o simples termo "debilidade". Ela tem causas mais complexas. Muitos dirigentes sindicais com o discurso do sindicalismo "moderno" passaram a administrar fundos de pensão e a ganhar tanto com a especulação quanto com as privatizações. São sócios de negócios de grandes empresas e portanto possuem interesses comuns com elas.

Essa mudança qualitativa nos interesses de tais dirigentes os leva a buscar debilitar os movimentos sociais, uma vez que eles próprios correm o risco de ser alvos dos mesmos, além de que a pauta destes atrapalha seus interesses. Em suma, não é a debilidade que explica a traição mas a traição que leva a tentativa de debilitar os movimentos sociais pois uma luta consequente deles poderia colocar em xeque os novos interesses desses dirigentes.


Ficha de adesão

Os signatários do manifesto parecem antever que a crise capitalista se aprofundará no mundo e no próprio Brasil. Buscam se antecipar teoricamente e angariar base social para o único caminho que será seguido pelo governo que apóiam quando do aprofundamento da crise no país: a ampliação das benesses ao grande capital e o confisco dos direitos dos trabalhadores, nada que difira do que vem ocorrendo na Europa.

O manifesto, que seria mais adequado chamar de "A crise mundial, a defesa do governo e do capitalismo", apela para o "desenvolvimentismo" para justificar os ataques aos direitos dos trabalhadores que virão.

Caberá perfeitamente na ideia de "desenvolvimento" a aniquilação da CLT, afinal com menos direitos trabalhistas "nossas" empresas se tornariam mais competitivas no mercado mundial, gerando mais desenvolvimento para o país. É o discurso dos empresários na Europa da austeridade.

É por isso que no referido manifesto não consta a defesa dos direitos dos trabalhadores, da previdência pública e das minorias étnicas, verdadeiros entraves ao "desenvolvimento". Os que se mobilizarem em defesa dessa pauta poderão ser perfeitamente rotulados de atrasados e alheios ao progresso. E as forças armadas poderão ser mobilizadas para cuidar dos "interesses fundamentais" ameaçados por essa turba de primitivos.

A maioria das 11 propostas do manifesto contemplam o que as gestões petistas já fazem na prática e apenas pedem pelo seu aprofundamento. As poucas que não estão atendidas na sua totalidade não são claras, possuem uma escrita ampla e lacônica que facilita a manipulação governamental e a adaptação do discurso dos dirigentes perante a base.

Nem mesmo contra o neoliberalismo o manifesto é consequente. Além de omitir-se de defender os direitos dos trabalhadores, não condena as privatizações, não pede por reestatizações e sequer critica o sistema financeiro. Nem a quimera reformista de controle do sistema financeiro é reivindicada. A dívida pública sequer é citada.

Qualquer manifesto que busque a "reaglutinação de forças" para uma determinada causa ou objetivo, mesmo que dentro de um mesmo espectro ideológico, deve levar em conta a diversidade do referido campo e não impor como condição apoio a governos ou organizações políticas. Ao fazer essa exigência pede-se não um apoio de princípios mas uma adesão ao governo. Isso não é um manifesto mas uma ficha de filiação.

O caráter desse manifesto, seu programa e propostas devem ser esmiuçados e apresentados pelo o que realmente são: a deslavada defesa dos governos petistas e de seus ataques aos interesses do país e do seu povo!

Rejeitar e denunciar esse manifesto é dever de todos os que querem de fato construir um programa contra a crise capitalista que deverá se apronfudar no país.



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[1] Manifesto defende reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial (14/11/2012):

[2] Líbia: Governo poderá privatizar metade da economia dentro de 10 anos (31/03/2010):

[3] Tucano sugeriu Bolsa Família para Lula (06/11/2010):

[4] Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):

[5] Os governos do PT diante dos golpes da direita na América Latina (23/07/2012):

A política externa de Lula foi progressista? (02/11/2010):

[6] A crise no Brasil (06/05/2012):

[7] A MIRAGEM DO CRESCIMENTO - Carta Capital - Impresso / Online - Internet - SEU PAÍS (24/04/2012):

[8] Por que o Brasil se atrasa (31/07/2012):

Brasil privatizado e desnacionalizado (06/30/2012):

[9] Rio Grande do Sul vai dobrar tratamento de esgoto até 2014 (05/04/2012):

[10] Tarso foi à Europa entregar o RS (13/05/2012):

Frase de Tarso na Europa (03/05/2012):


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