domingo, 17 de junho de 2012

O que está por trás das "renegociações" das dívidas dos Estados?


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Na última quinta-feira (14/06) o deputado estadual Raul Pont (PT) deu a seguinte declaração em audiência na Comissão Especial da Dívida Pública do Rio Grande do Sul, realizada na Assembléia Legislativa:

"Se o RS e os estados pagam o estado brasileiro e estado investe bem eu não vejo problema em deixar os recursos com a União. Acredito que hoje se investe muito melhor e mais do que em outros governos." [1]

O acordo que estabeleceu o percentual atual que é repassado pelo Estado à União é objeto de contestação de longa data e o próprio partido de Pont sempre questionou-o. Na própria audiência o Secretário da Fazenda do Governo Britto (gestão que negociou o acordo vigente com o Governo FHC), Cézar Busatto, reconheceu a lesividade do mesmo, embora tenha tentado relativizar a conjuntura.

Mas pior do que a nova posição de Pont foi a sua justificativa. Somente neste ano o Estado brasileiro repassará quase a metade do orçamento para os especuladores em uma dívida nunca auditada e que quanto mais se paga mais cresce! E ele chama isso de "investir muito melhor" os recursos! Isso sem falar no corte recorde e histórico de mais de 55 bilhões, que atingiu em cheio áreas sociais como a saúde e a educação, feito pelo governo que "investe muito melhor"!

Auditar as dívidas!

O aprofundamento da direitização e do arrivismo de Raul Pont - que no último período foi visto defendendo privilégios de CCs [2], ataques aos professores [3] e servidores [4] e o entreguismo às multinacionais [5] - não oculta o oportunismo dos que agora erigem a bandeira da renegociação da dívida do Estado com a União.

Com o governador Tarso Genro a frente, uma gama de direitistas, como o próprio Cézar Busatto, passaram a agitar frenéticamente essa bandeira e até chegam a lançar algumas palavras de ordem contra o sistema financeiro. Mas a coragem desses valentões se revela quando ouvem a palavra "auditoria!"

Qualquer indivíduo que quanto mais pagasse uma dívida mais ela aumentasse iria protestar. Pois os governos dos nossos valentões de araque tiram do próprio povo que dizem representar para pagar uma conta que o povo não conhece. E ainda apontam como solução a renegociação do "desconhecido", uma medida que não interrompe a sangria dos cofres públicos que beneficia os especuladores. É realmente admirável a coragem dos nossos valentões!

Em 1931 uma auditoria da dívida externa brasileira constatou que 60% dela era fraudulenta. Recentemente uma auditoria da dívida externa do Equador mostrou um quadro similar. [6] Segundo o Auditoria Cidadã, o Brasil teria condições de cancelar até 65% de sua dívida interna, que é bem superior à externa. [7]

Contrariando as experiências acima os nossos "caçadores de vampiros do sistema financeiro" apontam como panacéia a renegociação. Por que será?

Há basicamente dois motivos. O primeiro, e mais visível, tem a ver com a real coragem dos nossos valentões em enfrentar o sistema financeiro. O segundo tem a ver com a disposição do Governo Dilma em ampliar as benesses ao grande capital e isso passa por uma pseudo-alteração das dívidas dos Estados:

"O governo já comunicou aos seus líderes no Congresso que deseja mudar dois artigos da lei complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A primeira alteração é do artigo 14 da LRF e torna mais flexíveis as exigências para que o governo possa conceder incentivo tributário, do qual decorra renúncia de receita. A outra autoriza a mudança das condições financeiras dos contratos das dívidas dos Estados renegociadas pela União com base na lei 9.496, de 1997." (Valor Econômico, 12/04/12) [8]

O objetivo da renegociação é liberar recursos para ampliar as benesses, principalmente renúncias fiscais, ao grande capital. Estima-se que o Rio Grande do Sul já deixe de arrecadar aproximadamente 11 bilhões por ano graças a esse tipo de política. E como em um sociedade de classes não é possível aliviar em um lado sem apertar em outro já está previsto que alguém pagará a conta:

"Outra condição que seria incluída na LRF pelo projeto prevê que a renúncia de receita poderá ser compensada pelo contingenciamento de verbas orçamentárias. Neste caso, o benefício concedido só entraria em vigor quando o governo implementasse o corte das verbas do Orçamento." [idem]

Os impactos da ampliação das benesses ao capital, como os concedidos pelo Programa Brasil Maior, são reconhecidos pelo próprio governo que "investe muito melhor" os recursos:

"Por conta da medida, a renúncia de receita da Previdência foi estimada, pelo Ministério da Fazenda, em R$ 7,2 bilhões por ano. Na exposição de motivos que acompanhou a medida provisória 563, o governo não explicou como essa perda será compensada. Diz apenas que a renúncia fiscal líquida (ou seja, já considerando as receitas do Tesouro com novas medidas tributárias) será de R$ 1,79 bilhão este ano, R$ 5,2 bilhões em 2013 e R$ 5,5 bilhões em 2014." [idem]

Fica claro que a "união" entre vários governadores em torno da renegociação da dívida é um teatro que não assusta nem os especuladores e nem o governo central. Trata-se de uma jogada ensaiada cujo pano de fundo é a crise financeira mundial. Já em 2011 o Governo Dilma havia autorizado a ampliação do limite do endividamento de sete Estados e a justificativa do próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega, era fazer frente "ao cenário da crise econômica internacional." [9]

Diferentemente do que diz nos fóruns internacionais, as medidas "anticrise" do Governo Dilma vão no mesmo sentido dos governos estrangeiros: ampliação de benesses ao capital, ataques aos direitos da classe trabalhadora e sucateamento dos serviços públicos essenciais.

O exemplo mais marcante da real face dessa política é a desoneração da folha de pagamentos. Calcado em um argumento que abertamente mostra o interesse de classe envolvido, qual seja, o de tornar as empresas mais competitivas, acerta em cheio a Previdência! Se hoje o seu déficit é um conto de fadas que só é encarado com seriedade por alguns devido a massiva propaganda mentirosa da mídia e do governo, em um futuro próximo ele pode se tornar realidade. Estaria aberto o caminho para novas contra-reformas e privatizações. Os trabalhadores seriam apontados como os responsáveis pelo desequilíbrio, perderiam mais direitos e o capital ganharia mais uma vez!


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[1] Políticos, sindicatos e governantes concordam: dívida pública é insustentável (14/06/2012):
http://sul21.com.br/jornal/2012/06/politicos-sindicalistas-e-governantes-concordam-divida-publica-e-insustentavel/

[2] Novo Governo, velhas medidas! (11/01/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2011/01/novo-governo-velhas-medidas.html

[3] Política Industrial de Tarso: um entreguismo sem precedentes (03/04/2012):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2012/04/politica-industrial-de-tarso-um.html

[4] O Pacotarso, o RS e a Grécia (30/06/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2011/06/o-pacotarso-o-rs-e-grecia.html

[5] Em benefício do capital Tarso aumentará endividamento público (07/04/2012):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2012/04/em-beneficio-do-capital-tarso-aumentara.html

[6] Correa defende Equador livre da "dívida externa ilegítima" (11/06/2009)
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1191872-5602,00-CORREA+DEFENDE+EQUADOR+LIVRE+DA+DIVIDA+EXTERNA+ILEGITIMA.html

[7] EQUADOR: Auditoria garante resultados positivos ao país
http://www.divida-auditoriacidada.org.br/artigos/artigo.2010-03-26.5542250391

[8] UNIÃO QUER ABRANDAR LEI QUE DISCIPLINA RENÚNCIAS FISCAIS (12/04/2012):
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/4/12/uniao-quer-abrandar-lei-que-disciplina-renuncias-fiscais

[9] Ampliado limite da dívida em sete Estados (11/11/2011):
http://www.comerciodojahu.com.br/noticia.asp?id=1238383&titulo=Ampliado+limite+da+d%C3%ADvida+em+sete+Estados
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